quinta-feira, 4 de março de 2010

Efeitos colaterais da maconha

Glaucio Ary Dillon Soares*

Há muitos — incontáveis — defensores da maconha que afirmam que a droga é inócua, não causa efeitos negativos permanentes. Porém, o número de pesquisadores que discordam não é pequeno. O último a publicar resultados de pesquisa que mostram efeitos negativos é John McGrath, do Queensland Brain Institute, na Austrália.

A metodologia usada por McGrath na sua pesquisa é simples e aberta a críticas. Comparou a incidência de psicoses, particularmente a esquizofrenia, entre usuários e não usuários. Limitou o estudo a jovens adultos e comparou os que nunca usaram com os que usam há seis anos ou mais. A incidência de esquizofrenia é o dobro no grupo que usa maconha ou cannabis, como a chamam os pesquisadores.

Não obstante, o estudo não comparou usuários e não usuários de maconha comum e sim de skunk, que tem um ingrediente chamado THC, que é psicoativo, em dose mais alta. O THC pode produzir sintomas psicóticos como paranoia e alucinações.

A pesquisa se baseou em 3,8 mil adultos que nasceram em Brisbane entre 1981 e 1984. A comprovação a respeito do uso de maconha veio dos próprios participantes e a informação sobre os traços psicóticos foi produzida pelos pesquisadores mediante entrevistas. Dos 1.272 que nunca fumaram maconha, 2% foram diagnosticados como psicóticos; dos 322 que haviam usado por seis anos ou mais, a percentagem era 3,7%, uma diferença que parece pequena, mas que é estaticamente muito significativa. Os que fumaram durante mais de três anos, mas menos de seis, ficavam no meio.

Como bons psiquiatras, os pesquisadores examinaram os gêmeos e as diferenças apareceram: os que fumaram durante mais tempo tinham uma incidência maior de traços psicóticos. Essa preocupação controlou a influência de fatores genéticos. A pesquisa foi publicada em revista séria, os Archives of General Psychiatry.

A legalização, a descriminalização e outras mudanças de estatuto legal do uso de psicotrópicos é uma questão politizada em quase todo o mundo. No Brasil, o assunto é discutido com frequência na mídia. Vários projetos de lei, de diferentes naturezas, foram apresentados. Intelectuais de todo tipo e formação participam do debate; grupos de usuários se organizaram e atuam como grupos de pressão. O tema é político e é ideológico também. Há muito palpite e pouca pesquisa. O cálculo de perdas e ganhos com a descriminalização ou a legalização nunca foi feito e talvez não seja possível fazê-lo, pelo problema de colocar na mesma equação variáveis de diferentes naturezas, como, por exemplo, o respeito à privacidade, de um lado, e o aumento do ausentismo no trabalho, pelo outro. Mas para estabelecer políticas públicas eficientes é, pelo menos, necessário ter consciência e algum conhecimento do que se ganha e do que se perde.

Muitos distinguem entre tipos de drogas e há um grupo grande que discrimina entre drogas mais destrutivas, como o crack e a cocaína, por um lado, e a maconha, pelo outro. A pesquisa de McGrath confirma uma linha de diferenciação bem conhecida por psiquiatras e por usuários: os tipos de maconha não são iguais. Alguns são bem mais nocivos do que os outros.

A emotividade e a politização dos debates sobre mudanças no status legal do usuário de maconha conspiram contra a racionalidade. Poucos debatedores diferenciam entre tipos de maconha, quase nenhum tenta ver o que se ganha e o que se perde com a mudança na legislação (ou com a implementação efetiva da que existe), nem se pergunta o que custa à sociedade garantir o direito de consumir drogas ao indivíduo. As resultantes, as políticas públicas, serão vitórias do poder e não da razão.
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*Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
Fonte: Correio Braziliense online, 04/03/2010

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