quinta-feira, 25 de março de 2010

As transgressões de Jesus

Juan Arias*

Em seu novo livro, El grand secreto de Jesús [O grande segredo de Jesus],
publicado na Espanha pela Editorial Aguilar,
Juan Arias disseca os enigmas e a marginalidade do profeta de Nazaré.

Ainda se oculta algum segredo nos Evangelhos, os textos mais traduzidos do mundo e sobre os quais já se publicaram milhões de livros? Ainda se pode dizer algo novo sobre Jesus de Nazaré, o profeta maldito, que foi crucificado como louco e subversivo? Jesus sempre foi apresentado como um líder religioso que deu origem a uma nova Igreja, nascida do Judaísmo, o que não é correto. Em momento algum Jesus em fundar uma nova religião, já que ele combatia todas por estarem baseadas na violência e nos ritos sacrificiais, na dor e na falta de liberdade.

Analisando, contudo, os textos antigos sob outra luz, se pode deduzir que, apesar de que usava a linguagem e a cultura de seu tempo, que eram fundamentalmente religiosos, Jesus olha mais longe. Tem outras intuições que não são puramente religiosas, mas de transformação da espécie humana. Fala aos homens de seu tempo como se dirigisse a uma sociedade diferente, que superou as fragilidades e os limites do humano. Talvez por isso muitos analistas bíblicos costumam afirmar que sua mensagem é “utópica”. Na realidade é muito mais que isso. Sempre foi intrigante que tanto as palavras como os atos de Jesus traçam uma linha de ruptura absoluta com o atual. (...) Sua mensagem transcende o cotidiano e talvez por isso não o entendem, nem sequer quando fala com parábolas. Seus próprios familiares acreditavam que estava louco. As autoridades judaicas do Templo e as civis e políticas também não o compreendem e por isso acabam se unindo para condená-lo à morte. Diante dele Pilatos fica perplexo e confessa não ver naquele profeta crime algum. (...) Era o homem do antipoder e da antiviolência. O paradoxo é que os únicos que pareciam entendê-lo, ou pelo menos intuir sua originalidade, eram os marginalizados da sociedade, aqueles que não tinham nada a perder: aleijados, leprosos, coxos, cegos, mudos, endemoniados, prostitutas e, em geral, todas as mulheres. Mesmo que uma em especial, a agnóstica Madalena, pode ter sido sua companheira sentimental e inclusive a mãe de seus filhos e a qual os apóstolos olhavam com desconfiança, porque sabiam que ela conhecia os segredos do Mestre que ele escondia deles.

Não é possível analisar os quatro Evangelhos canônicos, os únicos que a Igreja considera inspirados por Deus, sem ter em conta também os Evangelhos gnósticos, descobertos há pouco mais de sessenta anos, ainda pouco estudados e que o catolicismo classifica como hereges, talvez porque intui que guardam segredos ainda não desvelados sobre a verdadeira personalidade do profeta de Nazaré e de sua doutrina. Os escritos gnósticos podem oferecer uma nova leitura dos Evangelhos canônicos no que tange ao anúncio de Jesus de um novo reino. Este conceito, visto à luz destes escritos, já não se refere a uma nova forma religiosa nem sequer a uma nova ética superior à judaica, mas a algo muito mais inédito e revolucionário: um salto da atual espécie humana a outra diferente que não se funde nos cânones da violência. Jesus seria então o encarregado de desvelar o reluzente rosto desta humanidade conforme o conhecimento e a sabedoria gnósticos e o fez em parte nos segredos que revelou exclusivamente a Maria Madalena.

(...) Não há dúvida de que Jesus quebra e desobedece todas as regras e paradigmas da sociedade. O obscuro profeta da minúscula aldeia palestina de Nazaré parece dirigir-se a homens e mulheres de outra espécie humana ainda por vir. Talvez ele, com a força do amor desinteressado que movia sua vida, se sentia um cidadão desse novo mundo sem violência da qual acabou sendo vítima inocente e inevitável. Significa isso que Jesus não se dirigia aos homens de sua época, a esta raça humana? De modo algum. Jesus falou também para nós, os humanos violentos e ambiciosos, inclinados a usar os mecanismos do amor em proveito próprio. O ser humano pode melhorar. E de fato, alguns, começando pelo próprio Jesus vítima da violência, alcançaram a sublimidade do amor por ele proposto. Contudo, suas intenções e olhares iam além e nos indicou que o grande segredo que estava desvelando era que aquela loucura de um mundo sem violência não era pura utopia. Algum dia outros seres humanos, independentemente do nome, poderão consegui-lo.

(...) Um dos episódios mais obscuros dos Evangelhos é o da formação intelectual e social daquele profeta que, saído das sombras de uma aldeia sem prestígio, é capaz de discutir e polemizar com os intelectuais de seu tempo, com os fariseus e os sacerdotes, uma casta à qual não pertenceu. Jesus era, com efeito, um secular. Onde estudou? Era realmente um agnóstico? Havia viajado para fora da Palestina? A este respeito existe um incrível vazio nos Evangelhos que os escritos apócrifos preencheram apenas em parte. Nenhum dos quatro Evangelhos oficiais dedica uma única palavra ao que Jesus fez desde os 12 anos, quando se perde no Templo e sua mãe o repreende pela dor que havia causado aos seus pais, até os 30 anos, momento em que aparece na vida pública como profeta. No total, 18 anos de silêncio absoluto.

De 2.000 anos atrás até hoje, esse vazio inaudito tem sido a origem das hipóteses mais diversas sobre este período. Situa-se Jesus viajando pela Índia ou pelo Egito e entrando em contato com os magos de seu tempo. Qualquer situação é possível menos pensar que tivesse permanecido todos esses anos trancafiado na minúscula aldeia de Nazaré, tão insignificante que nem aparece nos mapas da época. Mais, quando se faz alusão a ela é de forma depreciativa: “Pode sair algo bom de Nazaré?”, se perguntavam os judeus da época.
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*Teólogo. O artigo é de Juan Arias e está publicado no El País, 14-03-2010. A tradução é do Cepat
Fonte: IHU, 25/03/2010

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