André Gonçalves Fernandes*
O lançamento da terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH III) demonstra o interesse do Estado na tutela de tais direitos, ao menos no papel, dotando, inclusive, o exercício destes direitos de instrumentos legais aptos à sua efetiva realização. Tal postura acompanha a tendência mundial (ao menos nos países ocidentais, assim definidos como aqueles marcados pela tradição filosófica grega, detentores do legado religioso judaico-cristão e cuja legislação se inspira na fonte do Direito Romano) de promoção de um processo de humanização de envergadura universal. Mas nem sempre foi assim.
Três anos após o fim da 2 Guerra Mundial, a ONU apresentava solenemente a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O texto destacava que o último conflito armado tivera, como origem remota, a recusa do reconhecimento de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e que são portadores dos mesmos direitos.
A fim de se evitar a proporção nefasta do conflito anterior, todas as nações civilizadas deveriam se empenhar em respeitar os direitos do homem e criar as condições legais para implementá-los, por via de uma apropriada legislação nacional. A grandiosidade desta declaração está no fato de que, seguindo uma rica tradição antropológico-filosófica, todo homem é capaz de descobrir, pela razão, que é sujeito de direitos fundamentais.
Tais direitos são atribuídos a todos os homens, os quais são convidados a promovê-los e protegê-los. Nessa linha, os progressos, a nível internacional, têm sido notáveis, pelo menos no papel. De uma mera declaração de princípios, sem qualquer validade do ponto de vista estritamente legal, o Direito Internacional Público passou a considerá-los como normas obrigatórias, em virtude de sua natureza e sem necessidade de aceitação prévia pelos Estados.
Um enorme salto aconteceu com a aprovação, em 1966, do Pacto Internacional de Direitos Humanos, cuja diferença, em relação à Declaração, está no fato de ser juridicamente vinculante. Ao ratificá-lo, os Estados se comprometeram a respeitar os direitos nela contidos, o que, em princípio, aumentou as garantias para os titulares desses direitos. O aludido pacto ainda preconizou uma lista de direitos humanos, instituições e mecanismos, como o Comitê de Direitos Humanos que, embora não fosse um órgão estritamente judicial, poderia exercer um controle independente e alguma pressão política sobre as atividades dos Estados.
Contudo, nesse sentido, a experiência mais espetacular se deu por ocasião da reforma da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em novembro de 1998, a partir da qual os indivíduos, grupos ou organizações não-governamentais poderiam recorrer diretamente para o novo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, uma autêntica corte composta por juízes e capaz de dizer o direito ao caso concreto, quando entendesse que algum membro do Conselho da Europa violou o sistema europeu de proteção dos direitos humanos.
A atual consciência dos direitos humanos é derivada dos escombros de uma Europa arruinada depois de duas guerras mundiais, quando o homem chegou a um estado de agonia existencial, pois se tornou, novamente, lobo para o homem. E de maneira ainda mais cruel: a ciência e a técnica lhe deram tanto poder destruidor que o fez acreditar ser um deus, na melhor acepção grega do termo, que poderia mudar tudo ao seu capricho. Nessa situação de queda, retorna a si e percebe que deve mudar de atitude para salvar a si mesmo.
Os direitos humanos são um dos sinais dos tempos que surgiram com o fim do último conflito mundial armado. São o produto destilado a partir de um lento processo de recuperação da consciência do valor do ser humano. E exprimem bem uma das dimensões antropológicas do homem: sua luta perene por justiça e seu desejo constante de um mundo na medida da dignidade humana, na medida do direito de não ser nada menos que um homem.
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*André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2 Vara Cível da Comarca de Sumaré
Fonte: Correio Popular online, 17/03/2010
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