segunda-feira, 1 de março de 2010

Richard Dawkins - Entrevista

"Narro Darwin para vencer a ignorância''.
“O maior espetáculo da terra. Porque Darwin tinha razão” [Perché Darwin aveva ragione], de Richard Dawkins*, a sair pela editora italiana Mondadori, relata pesquisas inquietantes, segundo as quais 20% dos italianos nega que o homem descenda de qualquer modo dos animais, e 32% pensa que os primeiros homens tenham vivido na época dos dinossauros.

Eis a entrevista.

Como explica, professor Dawkins, tal ignorância científica numa época tecnológica e num país desenvolvido?
Infelizmente não é um problema somente italiano, mas europeu e estadunidense. E não se refere somente à evolução: um percentual análogo, de 24% na Itália, pensa que a Terra leve um mês para girar em torno do Sol! O que significa que há uma ignorância científica generalizada.

Mas, com o evolucionismo há obviamente razões particulares, não crê?
Certamente, sobretudo entre os fiéis da assim dita Igreja Baixa dos países protestantes. Ficaria surpreso que fosse assim num país de maioria católica. Parece-me que a Igreja aceite a evolução, pelo menos oficialmente, à parte a origem da alma humana: se entendi bem, segundo eles a certa altura deve ter existido alguém que tinha uma alma, enquanto os seus genitores não a tinham.

A encíclica de Pio XII Humani generis diz explicitamente que um católico deve crer na existência real, e não metafórica, de Adão e Eva.
Esta eu não sabia! Faça-me controlar em rede. Caramba, é verdade! Muito interessante. Tenho sido criticado por ter atacado os fundamentalistas, em vez dos “verdadeiros” teólogos, mas que tenhamos precisamente um papa recente que diz estas coisas! É fascinante, usá-lo-ei daqui em diante.

O papa atual, Bento XVI, e seu aluno Christian von Schönborn, cardeal de Viena, se expressaram, ao invés, abertamente a favor do Desenho Inteligente. O que o senhor pensão sobre isso?
Muitos aspectos do mundo vegetal e animal mostram que, se houvesse um Desenho, seria não inteligente! É mais sensato pensar que não tenha existido nenhum Desenho, e que a Natureza seja o produto de uma evolução histórica.

E o Princípio Antrópico, segundo o qual vivemos num universo feito precisamente de modo a permitir a nossa existência?
Oh, aquela é outra questão, a manter bem distinta da precedente, embora as duas coisas sejam com frequência misturadas. O Princípio Antrópico é um argumento ateu que isola cientificamente as condições necessárias à vida.

Também o Desenho Inteligente não é, no entanto, necessariamente teísta.
É verdade. Pode-se pensar que a planificação tenha sido feito por alienígenas, como, por exemplo, na teoria da panspermia defendida por ninguém menos que Francis Crick em seu livro A própria vida. Mas, naturalmente isto é somente um Desenho local que não explica a origem dos alienígenas que teriam dado origem à vida terrestre”.

Vamos passar agora às provas da evolução? Para começar, darei início por aquelas que Darwin já havia dado, a partir da analogia com a seleção artificial.
É um exemplo excelente, que hoje é menos usado do que deveria ser. No fundo, a seleção artificial outra coisa não é senão a verificação experimental da seleção natural: em parte efetuada hoje conscientemente nos laboratórios, mas em parte efetuada inconscientemente no decurso dos séculos por cultivadores e criadores de animais. Darwin gostava muito dos experimentos com os pombos, mas a mim parece que o exemplo mais espetacular sobre quantas mudanças se possam produzir em pouco tempo são os cães, do chihuahua ao alão ou cão de fila.

Darwin também recusou desde o início a objeção criacionista dos assim chamados “órgãos complexos”, como o olho.
Sim, fazendo notar que frequentemente não é verdade que um órgão complexo funcione somente como sistema integrado de todas as suas partes: também um quarto, ou mesmo um centésimo, de olho vê melhor que nenhum olho inteiro! E no reino animal se encontram exemplos de vários estágios de evolução incompleta do olho, que o demonstram.

Darwin também fez notar que há vestígios deixados pela evolução nos órgãos vestigiais, como as asas das aves que deixaram de voar.
Estes órgãos que não mais funcionam são exemplos maravilhosos e elegantes de uma mudança que ocorreu e da qual fornecem um testemunho histórico. Hoje também sabemos que há não só órgãos, mas também genes vestigiais: os assim ditos pseudo-genes, que têm toda a aparência dos genes normais, mas já nem são mais transcritos. São um pouco o análogo dos fragmentos de programas e de linhas que permanecem sobre o hard disk de nosso computador, embora já não sejam mais acessíveis.

Gostaria de passar agora às provas que na época de Darwin não tinham suficiente evidência, tipo os fósseis.
Fósseis animais já existiam então alguns, naturalmente, mas faltavam aqueles humanos: é àqueles que ele se referia, falando de “anéis faltantes”. Em seguida foi encontrada uma enormidade: sobretudo na África, que era o lugar no qual Darwin já entendera se não era o caso de que deveriam ser procurados, por causa da grande semelhança dos homens com os macacos africanos como os chimpanzés e os gorilas, mais do que com os macacos asiáticos como os orangotangos e os gibões.

Há, depois, argumentos que Darwin não podia aduzir, porque se baseiam em descobertas subseqüentes, como a genética.
Efetivamente, se existe um campo no qual Darwin se enganou, foi certamente o da genética. Após a descoberta da dupla hélice da parte de Watson e Crick, direi que a genética se tornou um ramo da informática: uma sequência de DNA é semelhante a uma faixa de computador, se bem que num alfabeto quaternário ao invés do binário, e se lê e se transcreve do mesmo modo.

Não obstante todas estas provas, como é que os criacionistas insistem em não considerar a evolução uma teoria científica?
Talvez por considerá-la uma teoria histórica, como parte do humanismo ao invés da ciência (embora, ironicamente, quase todos os criacionistas sejam humanistas). Mas erram, porque é, ao invés, baseada sobre evidência experimental, preditiva e verificável ou refutável: por exemplo, o evolucionismo prevê que não se possam encontrar fósseis de mamíferos nos estratos do devoniano e uma descoberta dos mesmos seria uma refutação da teoria.

Há uma última objeção, proposta por um par de físicos bizarros, segundo os quais o evolucionismo não seria científico porque não descrito em fórmulas matemáticas.
Que coisa! O neodarwinismo moderno se baseia na idéia que a frequência dos genes nas populações muda no tempo, e as principais hipóteses necessárias à mudança e, portanto, à evolução, derivam de uma famosa fórmula devida a Hardy e Weinberg. A moderna genética evolutiva é altamente matemática, repleta de fórmulas: há mesmo revistas científicas inteiramente dedicadas aos fundamentos matemáticos da teoria. Também esta objeção, como todas as outras, é simplesmente desinformada.
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*Clinton Richard Dawkins (Nairobi, 26 de março de 1941) é um eminente zoólogo, etólogo, evolucionista e popular escritor de divulgação científica britânico, natural do Quênia, além de professor da Universidade de Oxford.
Dawkins é conhecido principalmente pela sua visão evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro O Gene Egoísta, publicado em 1976. O livro também introduz o termo "meme", o que ajudou na criação da memética. Em 1982, ele realizou uma grande contribuição à ciência da evolução com a teoria, apresentada em seu livro O Fenótipo Estendido, de que o efeito fenotípico não se limita ao corpo de um organismo, mas sim de que o efeito influencia no ambiente em que vive este organismo. Desde então escreveu outros livros sobre evolução e apareceu em vários programas de televisão e rádio para falar de temas como biologia evolutiva, criacionismo, religião.

O jornal La Repubblica, 19-02-2010, entrevistou Richard Dawkins.
A tradução é de Benno Dischinger.Fonte: IHU- 01/03/2010

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