sexta-feira, 12 de março de 2010

Padres pedófilos

''Não basta a proibição: o que se impõe é uma conversão estrutural'',
afirma teóloga

Nesta entrevista, Marie-Jo Thiel, teóloga da Universidade de Estrasburgo, afirma que, por trás dos escândalos de padres pedófilos, os principais problemas são a maneira excessiva com que a Igreja valoriza o celibato e a "aura" que é conferida aos padres, separando-o dos leigos.
Segundo ela, a Igreja poderia enfrentar seus próprios escândalos, interrogando-se também sobre certos funcionamentos internos à instituição.

Alguns, como o teólogo suíço Hans Küng, veem no celibato uma das razões que favorecem comportamentos desviantes dos padres, ou até mesmo a pedofilia. O que a senhora pensa a respeito?
O celibato em si não é a causa. Mas sim uma certa concepção da Igreja Católica que, às vezes, valoriza de maneira excessiva o celibato e confere ao padre uma "aura", separando-o dos leigos. Os teólogos norte-americanos, que trabalharam longamente sobre esse assunto junto a associações de leigos, muito fortes naquele país, evidenciaram isso, colocando interrogações sobre o modo de governo da nossa Igreja.

A pedofilia, portanto, não é própria dos padres?
Não, evidentemente. Mas o número de padres envolvidos é elevado. Com o teólogo moralista Xavier Thévenot, tentamos quantificar a proporção, sem dúvida em torno a 2-4%. Se, no início, parecia que era a midiatização que colocava na berlinda alguns abusos muito circunscritos, descobriu-se, ao invés, um incrível e gigantesco "escândalo escondido" de consequências trágicas. Acredito que é preciso ter a coragem de dizer que, entre as Igrejas cristãs, a Igreja Católica é a mais atingida com relação às outras, e isso deve pôr questionamentos. O problema é saber por que e em que esse contexto é "favorável". Não ajuda nada deplorar o problema, sem enfrentar as causas profundas. O trabalho dos teólogos mostrou que não basta a proibição: o que se impõe é uma conversão estrutural.

O que pode favorecer esses desvios nesse modo de governo?
Os teólogos norte-americanos, como Appleby ou Steinfels, criticam uma cultura e uma filosofia clerical, com uma concepção da autoridade que permite pôr-se além da justiça, da democracia, de toda transparência. Eles indicam também desvios como a cultura do segredo, da negação, do retraimento sobre os reflexos de autodefesa institucional. Na Irlanda, a Igreja adotou, em 1996, uma indicação-quadro que se destinava a incitar a informação dos casos às autoridades judiciárias. É por não ter se dado conta disso que, no fim, o bispo de Cloyne teve que renunciar em 2008. E o Relatório Murphy denuncia a atitude da Igreja, entre 1975 e 2004, que buscou "manter o segredo, evitar o escândalo, proteger a reputação da Igreja e preservar os seus bens". Os responsáveis da Igreja norte-americana votaram as linhas-guias em 1992, só por causa da pressão dos leigos. É preciso também levar em consideração o endurecimento sobre a questão da sexualidade na Igreja.

Mas a Igreja frequentemente fala de moral sexual!
O ensino moral da Igreja coloca o acento sobre a preservação da instituição do casamento, e a sexualidade passa em silêncio. O paradoxo é que um padre sabe mais sobre as condições de nulidade do casamento do que sobre sua própria vida afetiva... A sexualidade, para os padres, continua sendo muitas vezes um objeto estranho, um pouco como quando se fala da morte na televisão: não é a realidade. Assim, eles não têm um espaço para falar da sua sexualidade, é muitas vezes um tema totalmente tabu. Assim, o problema pode às vezes se tornar imenso. A atração, então considerada um pecado mortal, leva a passar para o ato.

Mas daí para o ato pedófilo...
Não, certamente, mas cuidado para distinguir bem os casos de pedofilia. Não existe a pedofilia, mas pedófilos. O caso do abade Bissey, em outubro de 2000, que determinou uma tomada de consciência dos bispos franceses, é o de uma profunda perversão. A pessoa não é capaz de admitir que fez o mal. São os casos mais trágicos. Mas os casos mais numerosos que se encontram são os pedófilos neuróticos, que sabem que fizeram o mal, por causa de uma promiscuidade em que não puderam dominar suas pulsões. Eles reconhecem perfeitamente que transgrediram, são acessíveis às curas.

Há uma melhor compreensão do problema por parte da Igreja?
Sim, na França, por exemplo, a declaração publicada em novembro de 2000 dá uma indicação: os bispos não devem se contentar com a transferência de um padre pedófilo, mas contribuir com a sua indicação às autoridades. Nos seminários também se dá muito mais atenção, com o recurso a psicólogos. Mas eu acredito que, mais profundamente, a Igreja deve se interrogar sobre o seu funcionamento. A Igreja é bonita e grande. Foi fundada sobre o amor de Cristo e tem a possibilidade de ser verdadeiramente povo de Deus. Se a Igreja pudesse enfrentar seus próprios escândalos para se interrogar sobre certos funcionamentos seus... Não é preciso ter, talvez, a lucidez de olhar para as causas profundas, estruturais desse mal, particularmente quando atinge tão gravemente instituições fundadas sobre a educação e sobre a caridade cristã?
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A reportagem é de Isabelle de Gaulmyn, publicada no jornal La Croix, 11-03-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Reproduzida por IHU online, 12/03/2010

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