segunda-feira, 10 de maio de 2010

Aversão ao novo

Adilson Luiz Gonçalves*

O dicionário Aurélio define cultura como “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; atividade e desenvolvimento intelectuais; saber; ilustração; instrução...” Esclarece, ainda, que “é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores ...”

Ocorre que existem pessoas que acreditam que nada precisa ser acrescido: são os conservadores e os fundamentalistas. Talvez essa postura seja a expressão de seu medo de enfrentar o desafio de evoluir, de perder sua ascendência ou status, ou por não terem realmente nada a contribuir. Esse medo já fez várias vítimas.

Especificamente no âmbito das artes, eles procuram desabonar qualquer iniciativa inovadora, como se nada houvesse a acrescentar depois de Vivaldi, Bach, Verdi, Wagner, da Vinci, Van Gogh e tantos outros magníficos gênios do passado. No entanto, se a aversão ao novo de então vingasse, é provável que suas obras sequer chegassem a nós, execradas que foram pelos críticos conservadores de então.

No caso do Brasil, a obra de Villa-Lobos foi duramente criticada, acusada de ser excessivamente popular, contrapondo o colonialismo cultural europeu do início do século 20.

É que Narciso acha feio o que não é espelho!

É certo que cada um tem suas preferências, mas a imposição desses valores aos demais, ou a discriminação arrogante e esnobe dos gostos diferentes, provoca mais aversão popular aos clássicos do que sua popularização.

Não se trata de defender a cultura de massa imposta pela indústria do consumo, mas não se pode desenvolver o gosto popular pelas artes eruditas impondo barreiras ou condições. O processo tem que ser natural e interativo, e as políticas governamentais são fundamentais para o fomento de programas culturais atrativos que agreguem experiências às vidas das pessoas sem destruir sua base.

Alguns desses conservadores, no entanto, creem que as questões políticas são superficiais e irrelevantes. Ignoram, levianamente, que apenas pouquíssimos cidadãos não têm suas vidas influenciadas — de forma cotidiana e, por vezes, dramática — pelas medidas governamentais. Entre elas, as políticas de saúde e educação são fundamentais para dar condições adequadas de vida e desenvolvimento profissional e intelectual ao povo. Não são, portanto, desprezíveis, a não ser para quem tem independência financeira ou apadrinhamento político que assegure sustento sem trabalho, empregos sem competência; ou para quem tenha optado por uma vida de contemplação, afastado dos problemas reais que afetam milhões de brasileiros.

Sobre a cultura, dita popular, também seria interessante analisar por que existem tantos intelectuais formulando teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado, divulgando e incentivando manifestações populares, em vez de aculturar as comunidades ao padrão erudito. Mesmo Villa-Lobos, como já mencionado, baseou boa parte de sua obra em temas folclóricos e populares.

Assim, o conservadorismo cultural tacanho e esnobe inibe o surgimento do novo e mesmo a consagração do que defende. Não podemos e não devemos, portanto, discriminar o que não corresponde ao que consideremos melhor. Devemos, sim, incentivar o intercâmbio de experiências e conhecimentos de forma lúdica, prazerosa e não elitista. Também é preciso evitar o choque da imposição ou da artificialidade, aprendendo e ensinando, sempre com o objetivo de unir e não de discriminar, participando, dessa forma, do esforço coletivo pelo aprimoramento dos valores culturais.

Para tanto é preciso ter a grandeza de ser humilde sin perder la cultura!
_______________________________________
*Adilson Luiz Gonçalves, mestre em educação, escritor, engenheiro, professor universitário e compositor
Fonte: Correio Braziliense online, 10/05/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário