Marcelo Gleiser*
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Na nossa profissão, devemos seguir uma regra básica:
"Nunca minta"
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Na semana passada, tive o prazer de ciceronear a escritora e filósofa Rebecca Newberger Goldstein*, que veio à Dartmouth dar uma palestra sobre seu último livro, o romance "36 Argumentos para a Existência de Deus, Uma Obra de Ficção".
Goldstein é famosa pela sua habilidade de tratar de assuntos cabeludos de filosofia e ciência dentro da narrativa ficcional de um romance.
O livro é excepcional em vários níveis. Seu estilo é brilhante e extremamente engraçado, uma descrição contagiante e sincera do mundo acadêmico, da busca pela glória, da inevitável inveja profissional, da competição entre as escolas e da vaidade intelectual que tanto colore as discussões em tópicos que vão desde a mitologia grega à existência do Multiverso (ou seja, de infinitos universos).
Como o título informa, o livro trata também da questão da existência de Deus. Mas, para nós aqui nesta coluna, ao menos no contexto do tema de hoje, que é a ética, o livro é principalmente sobre escolhas.
Somos produto das escolhas que fazemos ao longo da vida. É bem verdade que, às vezes, as escolhas são feitas à nossa revelia. Por exemplo, quando falha a saúde, ou devido a pressões econômicas.
Por falta de emprego, um pacifista com um doutorado em física pode se ver forçado a trabalhar na indústria armamentista. Por outro lado, pode fazê-lo por opção, por ser um patriota.
Como Goldstein sugeriu, temos um cerne pessoal (estou criando esse termo) que funciona de forma bem específica.
Podemos até deduzir as posições que um conservador ou um liberal tomarão numa variedade de questões, desde a liberação da maconha até a regulação das práticas do mercado de capitais. A correlação das escolhas é bem forte, produto desse cerne pessoal, que "guia" nossas decisões.
Será que a ética é parte desse cerne pessoal? Especulo que sim. Algumas pessoas têm padrões éticos mais elevados do que outras. Não há dúvida de que esses padrões podem ser influenciados por eventos na vida, pela educação, por relações etc. Mas alguns casos são mais flexíveis do que outros.
E os cientistas? São menos dados a cometer fraudes do que outros profissionais? Na nossa profissão, devemos obedecer a uma regra ética básica: "Nunca minta".
De fato, mentir em ciência é uma péssima ideia. Mais cedo ou mais tarde, a comunidade exporá a sua fraude e sua carreira estará arruinada. É bem simples, na verdade: a natureza não tolera trapaças.
Quem lembra, por exemplo, da história da fusão a frio? (Veja pt.wikipedia.org/wiki/Fusao-a-frio) Inocentemente, gostaria de acreditar que essa regra do não mentir deveria valer para todas as profissões.
No entanto, é o contexto que determina a aplicação de princípios éticos. Mesmo que você se considere um indivíduo extremamente ético, pode sofrer terríveis pressões para contrariar suas próprias regras.
É fácil pensar em exemplos, desde os mais dramáticos (os alemães que "tinham" de se juntar aos nazistas) aos mais amenos (o estudante que cola na prova do vestibular). A moralidade de um pessoa pode ser medida pela resistência que oferece a essas pressões, permanecendo fiel aos seus princípios éticos. Trapacear é construir a sua própria prisão.
Se ser livre é poder escolher ao que se prender, gostaria de acreditar que, quanto mais seguimos princípios morais elevados, mais livres somos.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "Criação Imperfeita"
Fonte: Folha online, 01/05/2010 - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0205201003.htm
*A autora, Rebecca Newberger Goldstein, é uma romancista e ensaista americana. Ela lembra os 350 anos da expulsão do filósofo da comunidade judaico-portuguesa de Amsterdã, vítima da intolerância religiosa. Gosto quando ela diz que a razão deve sempre ficar em guarda contra heranças convenientes que “nos induzem a acreditar que somos cosmicamente mais importantes do que de fato somos”. Só acho que, apesar de criticar a aversão dele à observação empírica, ela não avalia o otimismo excessivo de Spinoza, de sua “religião universalista”, que supõe que a felicidade seja um atributo da razão. Como fez Antonio Damásio, o grande neurologista português radicado em Iowa, ela adapta Spinoza para o discurso americano, sempre à procura de uma fórmula do bem-estar. (Texto comentário do Blog de DANIEL PIZA -01/08/2006)
*A autora, Rebecca Newberger Goldstein, é uma romancista e ensaista americana. Ela lembra os 350 anos da expulsão do filósofo da comunidade judaico-portuguesa de Amsterdã, vítima da intolerância religiosa. Gosto quando ela diz que a razão deve sempre ficar em guarda contra heranças convenientes que “nos induzem a acreditar que somos cosmicamente mais importantes do que de fato somos”. Só acho que, apesar de criticar a aversão dele à observação empírica, ela não avalia o otimismo excessivo de Spinoza, de sua “religião universalista”, que supõe que a felicidade seja um atributo da razão. Como fez Antonio Damásio, o grande neurologista português radicado em Iowa, ela adapta Spinoza para o discurso americano, sempre à procura de uma fórmula do bem-estar. (Texto comentário do Blog de DANIEL PIZA -01/08/2006)
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