Maria Clara Bingemer*
RIO - A Igreja Católica tem estado sob os holofotes da mídia nos últimos tempos. Os escândalos sobre pedofilia que envolve membros do clero e do episcopado parecem ter destapado uma grande panela de pressão, obrigando a instituição mais antiga do mundo a rever-se em profundidade em vários pontos.
Isso não deixa de ser positivo. No contexto da grande e radical mudança de época que vivemos, olhar-se com visão crítica e perceber onde está a zona de sombra que apresenta necessidade de conversão é uma graça de Deus.
A diminuição das vocações sacerdotais e religiosas, a evasão dos clérigos que pedem redução ao estado laical têm levado a Igreja a defrontar-se com a crise de seu modelo ainda bastante centrado sobre o clero que desempenha as missões mais importantes do cotidiano eclesial. Uma Igreja mais aberta aos leigos e mais apoiada sobre aquilo que é comum a todos os membros do Povo de Deus – o batismo – poderia abrir-se talvez em ministerialidade mais rica e plural, que teria melhores condições de atender às crescentes demandas de uma comunidade sedenta do pão da Palavra e da Eucaristia.
Junto com outras Igrejas históricas, a Igreja Católica tem visto diminuir sua força de configuração do comportamento dos indivíduos e grupos sociais. Obrigada a dividir o espaço e o imaginário da população, chamada a dialogar com diferentes visões, na abertura e na fraternidade, sem disputas ou combates estéreis, percebe-se não mais hegemônica em um mundo sempre mais plural.
Será dando as mãos a outras tradições religiosas, e lutando juntas para resolver os grandes problemas que afligem a humanidade, que se poderá fazer avançar a mesma humanidade em direção a um futuro mais luminoso. A justiça, a paz, a concórdia, a sustentabilidade do planeta só serão possíveis com o concurso das grandes religiões em diálogo umas com as outras.
No entanto, nenhum desses desafios pode ou deve ser respondido apenas com a adoção de estratégias ou táticas inovadoras e sofisticadas. Os estudos sociológicos e a lucidez histórica podem ajudar-nos, mas não nos porão no caminho certo se não vierem acompanhados de uma profunda atitude espiritual. Nesse sentido, as últimas alocuções do papa sobre a necessidade da penitência, reconhecendo um pecado e uma insuficiência que é de todos, apontam numa direção que é a única onde podemos estar seguros de ser guiados pelo Evangelho de Jesus.
Não é com arrogância ou dureza, apontando o dedo acusatório, que poderemos, enquanto Igreja, sair da crise na qual nos encontramos mergulhados. A transparência e a verdade que devem caracterizar a atitude da Igreja neste momento doloroso pelo qual passa, se não vierem acompanhadas da humildade e do arrependimento, da penitência e da conversão, não poderão levá-la muito longe.
Pois, segundo o próprio Jesus ensina a seus discípulos, perplexos por não terem sido capazes de expulsar o demônio que atormentava um menino, há uma “espécie de demônio que só se pode expulsar à força de oração e de jejum”. Esses meios espirituais propostos pelo papa serão os únicos capazes de recolocar nossa combalida Igreja no único caminho que deve ser o seu: o de refletir a face de Jesus, que sendo rico se fez pobre, obediente até a morte de Cruz.
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*Maria Clara Lucchetti Bingemer, além de teóloga, é professora da PUC-Rio e autora de 'Simone Weil
Fonte: Jornal do Brasil online, 03/05/2010
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