segunda-feira, 3 de maio de 2010

Falemos inglês, ou algo parecido

Francesco Manetto

Executivos em reunião;
o "globish",
 um dialeto que surgiu da fusão dos termos
 "global" e "English" (inglês),
tem sido cada vez mais usado
entre os homens de negócio
no exterior



O chamam de "globish", e é um "dialeto" internacional já aceito por muitos anglófonos. A simplificação de uma língua pode ser útil para aprendê-la

O cenário pode ser um congresso de medicina, uma cúpula econômica ou uma feira internacional de eletrônica. Os atores são cirurgiões, pesquisadores, políticos, engenheiros ou executivos. Todos representam, ou melhor, improvisam seu papel em um espetáculo com argumento simples. O objetivo não é conseguir a aprovação da crítica. Aqui trata-se simplesmente de comunicar, entender e ser entendidos e, se o roteiro exigir, fechar um acordo ou um negócio. Para tanto é recomendável falar um mesmo idioma. Inglês? Digamos que inglês, ou, na maioria dos casos, algo parecido.

Esse algo parecido era o que Jean-Paul Nerrière observava cada vez que ia a um simpósio ou um congresso, dos EUA à Ásia. Quando os compromissos de trabalho lhe permitiam voltar para casa, em Paris, esse ex-diretor da IBM meditava sobre o assunto. Por que um mexicano e um chinês se entendiam melhor que um chinês e um americano? Em que idioma se dirigiam uns aos outros?

Um dia decidiu finalmente cunhar (e proteger através das leis de propriedade intelectual) a palavra "globish", uma fusão dos termos "global" e "English" (inglês) que pretende resumir uma filosofia de compreensão mútua universal. "O globish é o inglês que se fala comumente em Istambul ou em Montevidéu", explica Nerrière em conversa por telefone, na França. Em uma definição mais técnica, é "uma estrutura refletida e organizada de inglês que impõe limitações a si mesma, digamos que não são utilizadas mais de 1.500 palavras", prossegue. Vocabulário básico e sintaxe mais amável, para nos entendermos. Acabará com toda uma cultura e uma tradição de ensino?

A invenção, que conta com dezenas de milhares de partidários, poderia parecer o enésimo método de aprendizado mais ou menos rápido e mais ou menos eficaz de um idioma, algo semelhante ao que propôs há quase um século o linguista Charles K. Ogden com as 850 palavras de seu "Basic English". No entanto, Nerrière, que foi responsável pelas estratégias de marketing da multinacional de informática e sabe como vender um conceito abstrato, foi além. Conseguiu criar um sistema que encontrou aceitação inclusive no mundo anglo-saxão.

Robert McCrum, crítico e editor literário do dominical britânico "The Observer", o felicitou por um livro, "Globish the World Over" [Globish no mundo todo], no qual expõe suas ideias sobre o ensino de idiomas. E o próprio McCrum está prestes a publicar um texto em torno do fenômeno: "Globish: How the English Language Became the World's Language" [Globish: Como a língua inglesa se tornou a língua mundial].

Será, segundo ele, uma espécie de "dialeto" do século 21 que encontra suas origens em uma mudança da consciência geopolítica internacional. Algo que faz que hoje o inglês e sua cultura sejam percebidos como valores dissociados de toda a herança colonial. O chamado complexo imperialista, pelo menos no mundo ocidental, desapareceu. É como dizer: "Anime-se, o inglês é um patrimônio de todos, tanto dos que nasceram em Boston como dos que foram criados em Istambul".

Parece, portanto, uma boa ocasião para aprender de uma vez o idioma. Mas também pode ser a desculpa perfeita para a autoindulgência e para se convencer (iludir-se, como, segundo alguns professores, costuma fazer boa parte da classe dirigente) de que bastam poucas palavras para dominá-lo. Depende. Talvez ocorram as duas coisas, é uma questão de perspectiva.

O British Council, a instituição pública britânica encarregada de cuidar da língua inglesa, além de difundi-la e ensiná-la, é prudente, mas também está aberto aos experimentos. Seu diretor na Espanha, Rod Pryde, lembra que "as pessoas sempre empregaram a língua de maneira que se adapte às suas necessidades". E a propósito do globish indica: "Este uso não dá lugar a uma metodologia no sentido didático do termo, mas, sim, conforma uma série de parâmetros que podem ou não satisfazer as necessidades do mundo dos negócios internacional. A única forma de descobrir se as limitações impostas pelo globish são aceitáveis é através da experiência individual de cada pessoa".

Por esse motivo, alguns professores temem que se transforme em uma experiência negativa para os alunos. O empobrecimento da língua constitui justamente o maior risco (uma das maiores críticas) do globish. Os professores consultados estão divididos, embora não seja absurdo ter dúvidas sobre sua eficácia em médio prazo.

"Sou tradutora de inglês e alemão e residi durante vários anos na Inglaterra, convivi com ingleses e americanos, e nunca tinha ouvido falar do globish", comenta Victoria Navarro. "Só conhecia o 'spanglish', e outra versão parecida que falam na África", acrescenta, antes de esclarecer: "Considero que já houve várias tentativas de globalizar as línguas, mas nunca foram eficazes, já que não são idiomas naturais, e, portanto, seu ensino é complexo. Nunca se poderá ter um professor nativo de globish". Na sua opinião, é uma perda de tempo: "Já que se dispõe a aprender inglês, estude-o em boas condições e deixe de idiomas inventados. Embora seu aprendizado seja mais complicado, o inglês autêntico o levará muito mais longe", diz.

É parecida a opinião do irlandês Jason O'Dwyer, com 20 anos de ensino nas costas. Ele acredita que tem mais aspectos negativos do que positivos. "Pessoalmente, não gostaria de ensiná-lo e existiria o risco de que se transformasse em uma língua mal falada", adverte. "Um exemplo recente é o anúncio da Comunidade de Madri sobre os colégios bilíngues que utilizam o lema 'Yes, we want'", que pretendia ser uma referência à campanha presidencial de Barack Obama e que, no entanto, deriva em uma frase mal expressa e com uma construção gramatical impossível.

Apesar disso, o British Council salienta outros aspectos positivos. "Qualquer ideia que dê às pessoas a confiança suficiente para aprender uma nova língua e tentar comunicar-se com ela é positiva", diz Pryde. "Para muitas pessoas, aprender um idioma parece uma tarefa difícil. No entanto, está amplamente demonstrado que os que não se preocupam em cometer erros e adotam uma atitude positiva diante do aprendizado de um idioma conseguem aprendê-lo, apesar de a quantidade de informação necessária para memorizar e adquirir uma nova língua poder transformá-lo em um longo processo."

A atitude é um efeito determinante, tanto para aperfeiçoar uma língua estrangeira como para abordá-la. A esse respeito, Nerrière defende totalmente o globish: "Não se trata de um inglês casual, nem se deve compará-lo ao inglês real, embora se expresse com formas completamente corretas", diz, referindo-se aos truques de "seu" sistema, que consiste essencialmente em reduzir o léxico e usar formas gramaticais simples.

"É uma ferramenta, mais que um idioma", insiste em explicar. "Se você quiser desfrutar da leitura de Mark Twain, Oscar Wilde ou Racine, precisa saber inglês ou francês de verdade. Se quiser se comunicar com um indiano ou um japonês, não é preciso. Seja como for, parece sensato relativizar as necessidades e os objetivos. Já o escreveu o filósofo e pedagogo Comênio, no século 17: "Não é preciso aprender as línguas à perfeição, mas dentro do limite do necessário". Hoje o diretor do British Council lembra que "a população nativa do Reino Unido e dos EUA utiliza somente cerca de 1.800 palavras em 80% de sua comunicação verbal em inglês".

Ninguém, ou muito poucos estudantes, para dar um exemplo, tem em princípio a ambição de recitar sonetos de Shakespeare diante da rainha da Inglaterra. No melhor dos casos, a maioria das pessoas gostaria de aguçar o ouvido ou melhorar uma pronúncia ruim para conseguir o que os especialistas chamam de êxito comunicativo.

"Seria suficiente que os políticos espanhóis não tivessem de ser acompanhados por um intérprete quando vão ao exterior", salienta uma professora. "Que simplesmente entendessem uma conversa já seria um sucesso", acrescenta. E se para isso tiverem de estudar globish, que seja bem-vindo.

O problema é que muitas vezes o aprendizado de uma língua se transforma em uma barreira que provoca rejeições. É o que sabe muito bem Tom Fieselmann, especialista em fonética com anos de experiência no ensino de idiomas na Espanha, na Grécia e na Itália. "Com frequência uso em minhas aulas um método chamado de adaptação linguística. Esta aproximação [da compreensão do aluno] as torna muito mais amenas e divertidas e diminui a rejeição frontal que muitas vezes encontro entre meus alunos de idiomas (ou pacientes, como os chamo às vezes)", explica.

"Creio que o globish responde a uma tentativa de normalizar as mudanças e as necessidades linguísticas que se registram em todo o mundo", prossegue, admitindo que, de todo modo, "as mudanças em uma língua são normais e inevitáveis". O castelhano se transformará em "glastelhano" ou "andaluglobish"?, pergunta-se. Os usos e os hábitos dos falantes o decidirão. "Eu falo um 'globish' que parece inglês do Paquistão com meus alunos que não entendem alguns fonemas. É melhor para eles porque me entendem, e é melhor para mim porque pelo menos eles podem entender uma variedade de inglês já falado no mundo, na Índia, Paquistão, Tailândia, Vietnã... e Espanha!"

Nerrière também chegou a uma conclusão muito parecida. Um sotaque ou uma determinada pronúncia não deve se transformar em um obstáculo excludente. "Quando falo inglês, se percebe que minha pronúncia é muito pitoresca, exótica", admite com senso de ironia. "Mas esta não precisa se transformar em uma razão válida para renunciar a falar com o resto do mundo. De fato, consegui desenvolver-me no mundo dos negócios."

Nerrière havia visto durante suas viagens e estadas no exterior como, por exemplo, as "melhores" comunicações se desenrolavam entre chineses e os não-anglófonos. "Os que tinham mais problemas para se comunicar eram exatamente os americanos, e eu me disse: 'Isto não é normal. Por que acontece?'" Trata-se sobretudo de falta de educação em comunicação, segundo concordam os especialistas. "Porque talvez alguns anglófonos devessem limitar seu vocabulário e medir seu sotaque em determinadas circunstâncias."

Se finalmente nos entendermos, se alcançarmos nossos objetivos, estaremos praticando globish - ou como quisermos chamá-lo - e, nas palavras de Elena Montalvo, professora de inglês na Escola Oficial de Idiomas, estaremos buscando uma espécie de "polifonia" linguística ideal. A professora se aprofunda no chamado método da intercompreensão, que consiste em manter as características de duas línguas que entram em contato, mas permitindo e facilitando a comunicação mútua. Trata-se de um conceito muito importante no chamado espaço de comunicação europeu. E é justamente o que defendem os especialistas e filólogos preocupados com a sobrevivência das chamadas línguas co-oficiais ou minoritárias.

Para explicar a filosofia de intercompreensão e essa tolerância linguística, Montalvo utiliza uma comparação esportiva. "Se você pratica um ou mais esportes, não terá problemas para enfrentar um terceiro." E se já fala castelhano, catalão e inglês, talvez tenha menos problemas na hora de se comunicar (ou falar, entender e aceitar) em francês.

A esse propósito, talvez Umberto Eco tivesse razão quando, há mais de uma década, ofereceu uma ideia de comunidade internacional em seu livro "A Busca da Língua Perfeita": "Uma Europa de poliglotas não é uma Europa de pessoas que falam corretamente muitas línguas, mas, no melhor dos casos, de pessoas que possam se comunicar falando cada uma sua própria língua e compreendendo a do outro". Assim poderiam entender o "gênio, o universo cultural que cada um expressa quando fala a língua de seus antepassados e de sua própria tradição".
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Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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