quarta-feira, 12 de maio de 2010

A mística e a empatia universal: a visão de um rabino



Relembrando as "boas memórias" do Papa João XXIII e do Concílio Vaticano II, um rabino acrescentou a sua voz em Roma, no dia 08 de maio, para explorar a mística no mundo moderno, ao falar para cerca de 800 religiosas do mundo inteiro.
Falando no encontro da União Internacional das Superioras Gerais, em sua assembleia plenária, o rabino examinou o problema de ser identificado com um grupo de tradição religiosa particular e, ao mesmo tempo, manter a empatia universal.

O rabino Arthur Green descreveu a si mesmo como um judeu neo-hassídico, situando-se dentro de uma tradição que defende que "Deus pode ser encontrado em todo o lugar e em todo o momento", acrescentando que o objetivo da oração e do ritual "é nos ajudar a abrir os nossos corações a essa presença".



O neo-hassidismo, disse, difere do hassidismo clássico, pois os neo-hassídicos não compartilham o desprezo hassídico pela modernidade, especialmente pela educação e pela ciência modernas. "Nós aceitamos a legitimidade da investigação científica e histórica e acreditamos que a fé deve ser atualizada em resposta a ela".

Green disse que, no monoteísmo, nos damos conta de que "todos os seres, incluindo todas as criaturas – e isso significa a pedra e o gramado do seu jardim, assim como a iguana de estimação e o seu vizinho humano – são todos um em origem. Vocês vêm do mesmo lugar. Foram criados no mesmo grande ato de amor. Deus se deleita em cada forma que surge e concede sua própria graça a ela. Portanto – e essa é a linha da "recompensa", a única que realmente conta: trate-os dessa forma! Eles são todos criaturas de Deus. Eles existem apenas por causa da presença divina, a mesma presença divina que faz com que você exista".

Deus e existência, continuou, não são separáveis um do outro. "Deus não é algum Camarada em algum lugar, que criou uma entidade separada e distinta chamada 'mundo' por aí. Não existem dois: existe só um".

Green definiu-se como um forte proponente da teologia da criação. Ele disse que essa teologia nos fala sobre a mão de Deus na criação ao longo de seu desdobramento.

"Ver 'Deus' quando você olha para a existência é um rearranjamento de moléculas, por assim dizer. Ver o grande quadro em vez dos muitos quadros menores. Deus é Ser quando você vê o Ser como um, quando você vê todo o quadro. Claro, nunca podemos ver esse grande quadro como um todo. A soma é infinitamente maior do que a totalidade de suas partes. O mistério transcendente permanece, mesmo em minha teologia muito imanentista. Mas, para mim, a transcendência reside na imanência. A transcendência não se refere a um Deus que reside 'lá fora' em algum lugar, no lado mais distante do universo (que não tem lados, asseguram os astrônomos!). A transcendência significa que Deus está aqui, presente neste exato momento, de uma forma tão intensa e profunda que nunca poderíamos descifrá-la. Esse é o mistério".

Green disse que, "em última instância, somos todos do Um, encarnações da mesma presença divina. Por trás da máscara do outro, jaz a unicidade do Criador refletida na obra. Empatia significa abraçar cada um de nós em nossa diversidade e ver através da nossa unicidade".

Ele disse que os cristãos abordam esse conceito da unicidade na tradição de Corpus Christi. "Mas surge alguma confusão em torno desses conceitos. A linguagem de Corpus Christi inclui apenas aqueles de dentro da Igreja?".

Ele acrescentou que os judeus têm uma versão diferente do mesmo problema. "Continuamos sendo um povo distinto, uma entidade étnica, assim como uma comunidade de fé. Nós afirmamos que podemos ser tudo isso ao mesmo tempo. Mas então quão exclusivos nós somos? Nossas orações estão cheias de apelos para que Deus abençoe a nós "e a todo o povo de Israel". Nós rezamos só para nós mesmos? E o resto da humanidade? Rezamos por eles também?".

Ter empatia universal, disse, "é o maior desafio dentro do judaísmo hoje".

"Quão amplo é o nosso círculo de empatia, de compaixão? Podemos abrir as portas dos nossos corações o suficiente para incluir toda a família humana, até mesmo a família mais ampla dos seres naturais, sem perder nosso sentido distintivo de história e identidade étnica? O amor especial que eu tenho pelos membros da minha própria comunidade pode ser um amor que me encoraja a me abrir ainda mais, a abraçar círculos sempre maiores em amor? Ou ele necessariamente me fecha aos outros, criando um círculo de exclusividade, do qual grande parte da humanidade permanece do lado de fora?".

Tanto cristãos quando judeus precisam lutar contra o que ele chamou de um "legado de exclusivismo". "Vocês podem culpar o antigo Israel e seus profetas por terem o iniciado, mas a Igreja o herdou e ergueu as cercas, até que nós mesmos, judeus, fomos vistos como forasteiros".

"Mas agora é muito tarde para tudo isso. O mundo se tornou muito pequeno. Todos nós vivemos lado a lado uns com os outros, e a necessidade é muito urgente. Precisamos trabalhar lado a lado para enfrentar os grandes desafios que estão diante de nós. Eles incluem a degradação do espírito humano em nossa cultura moderna profana, a atração sem fim do materialismo egoísta e as grandes injustiças que ele gera, e a verdadeira preservação do nosso planeta como um lar para formas mais elevadas de vida. Tudo isso é um trabalho real para pessoas e comunidades religiosas, e devemos estar unidos para enfrentá-lo".

Para fazer isso, segundo ele, precisamos voltar para o "Y-H-W-H é um" e a demanda por amor universal que isso implica. "Isso representa o melhor ensinamento das nossas tradições".

"Para nós, judeus, a luta contra o exclusivismo toca outra questão que está em nossos corações. Eu estou falando para vocês na década em que os últimos sobreviventes do nosso terrível Holocausto estão prestes a encerrar seu tempo aqui na terra, o momento em que a sua memória torturada de sofrimento irá se tornar 'mera' história. Nós lutamos diariamente contra a questão do legado do Holocausto, o assassinato de um terço do nosso povo e a destruição de tantos recursos culturais e espirituais. O que devemos aprender com esse terrível evento? Nós não acreditamos que Deus nos puniu por meio dele. Nós acreditamos que foi obra da maldade humana. Mas mesmo assim devemos aprender com ele, devemos procurar a mensagem de Deus, lá e em todo o lugar".

"Muitos judeus sentem que a mensagem é clara. 'Nunca mais!' significa que o sangue judeu não é barato. Nós vamos nos defender, tomar ações preventivas contra nossos inimigos e nunca vamos permitir que os judeus sejam vítimas. Mas os melhores entre os sobreviventes, incluindo tanto Heschel e – que ele seja abençoado com uma longa vida – Elie Wiesel, compreenderam que o 'Nunca mais!' significa que nunca mais permitiremos o genocídio em qualquer lugar de nossa única família humana, que nós, como sobreviventes do genocídio, nos levantaremos por todos os que sofrem. A história não nos foi fácil para que fizéssemos isso, como vocês sabem. Mas nunca nos foi prometido que seria fácil."

"A Igreja de vocês deu grandes passos na abertura de espírito, parcialmente em resposta a esse mesmo evento terrível. O espírito do Vaticano II e especialmente as palavras da Nostra Aetate deram a todos nós muita esperança de que se estava dando total expressão à catolicidade ou à universalidade mais verdadeira da sua fé. Muitos de nós, incluindo eu, aprenderam e se inspiraram na habilidade da sua Igreja de se arrepender, de crescer e de mudar, enquanto permanecia fiel à sua própria identidade. Eu lhes peço, com todo o meu coração, que continuem no caminho desse crescimento, sem pôr isso em perigo nos seus corações ou em seus ensinamentos. Eu lhes prometo que eu, junto com uma multidão de meus colegas e estudantes, atuais e futuros rabinos, lutarei ao lado de vocês para ler nossa própria tradição como uma tradição do abraço humano universal".
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A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada no sítio National Catholic Reporter, 09-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU online, 12/05/2010

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