Carlos Alexandre Netto*
Miguel Nicolelis, brilhante cientista brasileiro em atividade na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, vem desenvolvendo uma das tecnologias portadoras de futuro para a humanidade: a interface cérebro-máquina. Ele esteve em Porto Alegre para inaugurar o Fronteiras do Pensamento 2010, curso de altos estudos que situa Porto Alegre como um centro de reflexão dos grandes temas científicos e humanos que desafiam o pensar e o viver contemporâneo. Ao apresentar experimentos complexos, fundados numa área transdisciplinar que navega entre a neurofisiologia e a robótica, com linguagem clara e acessível, Nicolelis cativou e encantou o público que lotava o Salão de Atos da UFRGS.
O ponto de partida de seu trabalho é a sofisticada tecnologia desenvolvida para registrar a atividade de centenas de neurônios (células responsáveis pela geração e transmissão dos impulsos nervosos), bem como para decodificar esses sinais em tempo real. Os bioengenheiros desenvolveram eletrodos com a capacidade de comunicação de algumas dezenas de telefones celulares numa pequena placa, menor que a unha do dedo indicador. Uma vez implantada no córtex motor, a interface registra as “tempestades elétricas” associadas aos movimentos.
Os indivíduos experimentais são macacos, primatas que têm a organização cortical semelhante àquela dos seres humanos. A questão investigada: é possível controlar, com o uso da interface cérebro-máquina, um dispositivo mecânico – um braço ou um robô – colocado à distância e fora do campo de visão? A partir de um desenho experimental criativo, a macaca Aurora adquiriu excepcional controle de um joystick para resolver um jogo numa tela de computador, ao estilo dos videogames. Durante o aprendizado, a interface transmitia os sinais cerebrais para um braço mecânico, que acumulou os padrões de comportamento. Quando o joystick foi retirado, Aurora continuou jogando com o computador sem mexer seus braços, apenas olhando para a tela e controlando o braço mecânico através da imaginação dos movimentos. Já a macaca Idoia foi treinada numa esteira para desenvolver a marcha bipedal. Através de uma conexão extremamente rápida, o sinal foi transmitido para um laboratório em Kyoto, no Japão, onde um robô também aprendeu a caminhar.
São inúmeras as consequências e possibilidades de novos desenvolvimentos. O que mais impressiona é a demonstração de que a atividade cerebral pode controlar o movimento de elementos robóticos, estejam eles próximos do corpo ou à distância. Isto representa a possibilidade de vencer os limites físicos à ação motora, a esperança de devolver os movimentos voluntários para milhares de pacientes portadores de patologias neurológicas, como as resultantes de traumatismos medulares ou da doença de Parkinson.
Também foi marcante a revelação do cientista cidadão, engajado em projetos sociais. Nicolelis criou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra, instalado em Macaíba no Rio Grande do Norte, cidade com baixíssimo índice de desenvolvimento humano. Trata-se de um verdadeiro experimento sociológico com objetivo ambicioso: demonstrar que o uso do método científico pode motivar estudantes e professores, melhorar a educação e, desta forma, mudar o destino daquelas pes-soas, da região e do país. A fundação que administra o instituto, mantido com mais de 70% de recursos privados, leva o nome de Alberto Santos Dumont, o gênio brasileiro que surpreendeu o mundo ao realizar o primeiro voo controlado. A mensagem é explícita: assim como ele, todos podem realizar seus voos pessoais.
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*Reitor da UFRGS
Fonte: ZH online, 12/05/2010
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