Mauro Santayana*
O que tem faltado ao nosso tempo é o respeito ao lugar-comum. Quando tentamos fugir do pensamento singelo, quase sempre caímos em esparrelas, algumas risíveis, outras, trágicas. Um dos lugares-comuns da história do homem é o de que ele só se libertou de sua condição animal com a palavra. A palavra foi o resultado de uma conjunção favorável da anatomia e da fisiologia dos primatas superiores com a necessidade de sua sobrevivência. O homem é homem porque se comunica, revela-se ao outro. Para que continuasse a crescer, foi preciso que inventasse a escrita, registrável em suportes duradouros, como as pedras, o papiro, o pergaminho – e o papel. Verba volant, scripta manent.
É inconcebível – e voltamos a outro lugar-comum – que se arrolhem as gargantas, que se costurem os lábios, que se amordacem os homens. Se é inconcebível que assim se faça, igualmente inconcebível é que se atem os dedos e as mãos, a fim de impedir que se escreva.
Cada um de nós tem o direito de escrever o que pensa e divulgar o que escreve, como assegura a Constituição, na definitiva interpretação do STF. Não podemos admitir que se impeça a difusão do que se escreve. Assim chegamos às ameaças constantes à liberdade de imprensa. A discussão pode parecer anacrônica, quando a irrupção da internet, como meio instantâneo de comunicações, permite a qualquer um dizer o que pensa. Pela internet podemos reproduzir os belos sonetos de Shakespeare, mas, da mesma forma, propagar nefandas ofensas.
As empresas brasileiras de comunicação, de acordo com o que se informa, pretendem criar sistema autorregulador que discipline a atividade. Por mais generosa seja a ideia, ela em pouco difere de outra, nascida do corporativismo sindical, de se criar um Conselho Nacional de Jornalistas, que a consciência de muitos jornalistas e dos cidadãos repudiou. As empresas de comunicação, ao conceber o órgão autorregulador, nos ameaçam com a consolidação do pensamento único, de que a sociedade está sendo vítima, a partir da predominância dos interesses econômicos sobre os direitos sociais – enfim, do mal chamado neoliberalismo.
A História é uma construção dos rebeldes, dos inconformados, dos hereges e dos subversivos de cada tempo. Assim, o primeiro cuidado dos totalitarismos é tentar algemar as ideias. Mediante a censura, eles conseguem – por algum tempo, mas nunca para sempre – esconder seus crimes, dissimular a tirania, converter ditadores em sujeitos comuns, como ocorreu no Brasil durante o governo Médici, no qual o general de plantão se tornou simpático torcedor de futebol.
Há totalitarismos escancarados e totalitarismos manhosos. Os escancarados, além da censura direta dos meios de comunicação, valem-se da violência do Estado, cujos poderes usurpam, para a eliminação dos inimigos – ou seja, dos que lutam pela liberdade e pela dignidade dos seres humanos. Os manhosos torcem a semântica, e a liberdade essencial de ser passa a ser entendida apenas como a liberdade de ter. O princípio fundamental da democracia é a isonomia: cada cidadão tem o mesmo valor e o mesmo direito na sociedade política, seja rico ou pobre, intelectual ou artesão. Os ricos, no entanto, sempre foram ocupantes privilegiados do poder. A única forma de se lhes oferecer resistência é a liberdade de expressão, de que a autonomia dos jornalistas é o natural prolongamento.
Os que, usando dessa liberdade, cometam crimes de calúnia, infâmia e injúria, que sejam punidos de acordo com o Código Penal, como qualquer cidadão comum. O jornalismo não pode ser o escudo dos canalhas, mas sim o instrumento para a promoção da justiça.
A liberdade de imprensa já vem sendo ameaçada pela concentração, em poucas organizações, da propriedade dos veículos. A esse perigo se acrescenta agora a generalização da autocensura, com a criação do órgão “autorregulador”: uma arbitrariedade contra os jornalistas dignos de seu ofício e o direito dos cidadãos à informação e à opinião. Cabe a cada jornal estabelecer sua linha editorial, mas não é bom para a sociedade que ela seja comum a todos os veículos, como parece ser a intenção de alguns. Só na pluralidade e na controvérsia podemos encontrar a verdade possível.
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*Jornalista. Editoralista do JB
Fonte: Jornal do Brasil online, 06/05/2010
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