Os LEDs deste vestido não são rígidos como normalmente imaginamos
os materiais eletrônicos;
eles estão dentro de tubos de organza
Sonhar com objetos futurísticos e possibilidades mágicas faz parte do nosso imaginário coletivo desde pequenininhos. Quem nunca delirou ao assistir ao desenho Os Jetsons, com seus carros voadores e esteiras rolantes, ou se empolgou ao ver filmes como Inteligência Artificial (2001), em que os seres humanos se tornam totalmente dependentes dos robôs? As crianças têm mais criatividade para imaginar roupas que ficam transparentes ou que se transformam em ouro muito brilhante. Mas, em algum lugar por aí, esse tipo de fantasia está mais próximo de virar realidade do que imaginamos.
Se você nunca ouviu falar de ‘computadores vestíveis’ e ‘roupas interativas’ não precisa se sentir mal. Afinal de contas, há poucos laboratórios no mundo que se dedicam a pesquisar tecnologia de ponta aplicada à moda. Um deles é o Xs Labs, no Canadá, coordenado pela pesquisadora e artista Joanna Berzowsza. A designer esteve em São Paulo na semana passada para participar do Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, promovido pela Universidade Anhembi-Morumbi.
Diante de uma plateia de estudantes de Design e entusiastas de moda, Joanna falou sobre tecidos que se transformam, roupas que acendem, estampas que mudam de cor e um tipo de moda que ainda não chegou às passarelas – e muito menos às lojas. Algo que se assemelha muito aos nossos sonhos infantis, mas que já está acontecendo ainda em níveis incipientes. “Quando a gente ouve falar de novas tecnologias, primeiro as chama de mágica. Depois que elas se tornam comuns, ganham nomes e viram parte de nosso cotidiano”, acredita Joanna.
Assim são os tecidos que se movem pelo corpo, como se fizessem uma coreografia; vestidos que são sensíveis ao toque e se aquecem ou mudam de cor quando em contato com a pele humana; broches que gravam informações sobre tudo o que você fez no dia e que podem servir até como guia para o seu médico; estampas que mudam de cor e formato ao longo do dia e por aí vai. São apenas alguns exemplos do tipo de futurismo de que estamos falando.
Imagine só ir até a loja Prada, comprar o software que lhe oferece a estampa mais sensacional da semana e tê-la automaticamente transposta à sua roupa? Como em toda esta pesquisa a realidade se mistura muito ao imaginário, o Moda conversou com a professora Joanna para entender um pouco melhor quão próximos estamos de ter acesso a esse tipo de produto.
Joanna Berzowsza
Você acha que essas inovações tecnológicas na moda vão, de fato, chegar às lojas? Em quanto tempo?
Eu as vejo aparecerem em desfiles de moda, onde nem tudo que é apresentado é de fato comercializado. Então, mais imediatamente, eu vejo as inovações chegando em shows performáticos. Muitos artistas nos EUA já usam artifícios eletrônicos em suas roupas, como Katy Perry, Lady Gaga e Kanye West. Há dez anos, a GAP tentou vender casacos de frio que vinham com headphones integrados nos capuzes. Existem vários exemplos na área de fitness em empresas como a Nike, com tênis que medem quanto você está correndo, que são conectados com o seu Ipod. As implicações imediatas são mais comuns neste setor e menos na moda. Existem algumas razões para isso. Ainda não há uma legislação de segurança adequada para equipar as roupas com artifícios eletrônicos e ainda não se pode simplesmente colocar equipamentos eletrônicos em roupas produzidas em série. Como é uma teconologia muito cara, as marcas ainda não querem investir nisso.
Mas mudanças de forma e de cor nas roupas já podem ser vistas em algum lugar?
Sim, você as encontra, por exemplo, em alguns desfiles da Victoria’s Secret, mas quando você vai à loja da grife, compra os sutiãs tradicionais. E eu também acho que, para fazer produtos em grande escala, existe um problema do tempo de desenvolvimento. As coisas na moda acontecem muito rapidamente: do conceito inicial você passa aos protótipos, depois, faz algumas peças e, em seguida, já passa à produção. É muito rápido. Produtos eletrônicos demoram muito mais para serem desenvolvidos e produzidos. Esses dois tempos não são equivalentes. Então, quando uma peça de roupa é criada, ainda não há artefatos eletrônicos que se adequem ao modelo. Daí acaba havendo um descompasso, um erro de timing.
Então, nem tão cedo será possível ver essas criações nas lojas?
Acho que exemplos pequenos já existem, mas, mesmo no futuro, sempre será um nicho especializado, como uma “alta-costura tecnológica”. Porque nunca chegará a ser muito barato, então será um público mais restrito.
Este vestido muda de formato ao longo do dia,
em movimentos lentos e orgânicos
Na sua opinião, qual é a razão de ser das roupas que, por exemplo, acendem? Para que elas de fato vão servir?
Em dois anos de pesquisa, eu ainda não consegui encontrar uma fibra que se ilumine e não pareça um gadget. Tudo que a gente fez ainda está nesse nível, é difícil criar algo mais sofisticado, que não seja “olha, ele acende! Olha, agora não acende mais”. E não é só por causa do design, mas da aceitação cultural da luz. Nós vemos a luz como algo funcional, que seja sinal de perigo ou de atenção; eletronicamente, significa que algo funciona ou não funciona; ou é empregada em performances, danças etc. Eu acho que ainda não desenvolvemos um vocabulário para o uso da luz como temos para as cores, materiais ou formas. Então, ainda não sabemos o que fazer com ela. Quando criamos algo que acende, ainda parece um gadget. Mas, acho que, quanto mais tivermos esses novos tecidos e tecnologias, mais seremos capazes de desenvolver um vocabulário mais complexo sobre o uso de luz na moda.
Quais são as principais dificuldades que você destaca durante o seu processo de fabricação de computadores vestíveis?
Há tantas dificuldades… tanto legais quanto técnicas e de produção. Mas uma dificuldade central que não aparece muito em discussões sobre o assunto é exatamente o design. É difícil surgirem opções interessantes de estilo para as peças. E o mundo da moda não está de fato interessado em alta tecnologia ainda. Moda trata do efêmero, de materiais nobres, e não luzes e artefatos eletrônicos. É quase como se essas duas filosofias fossem uma contra a outra. Então, como fazer um bom design com esses materiais? Ainda somos estudantes primários nessa área, fazendo as coisas óbvias e básicas. Todo mundo pensa em peças semelhantes, roupas que piscam quando a gente as abraça, projetos ainda muito incipientes. Ainda precisamos errar muito nos artefatos para a expertise de estilo surgir. Ainda não chegamos a esta fase.
Este tecido tem sensores termocromáticos que mudam de cor
à medida que muda a temperatura do corpo
E os estilistas não podem ajudar neste processo?
Não, eles também não sabem o que fazer, já trabalhei com alguns que lançaram coleções e queriam um contato com novas tecnologias, mas é muito difícil explicar como elas funcionam, como integrar a técnica ao vocabulário deles. Precisamos de uma nova geração de estilistas que cresçam em contato com a tecnologia.
Quando você pensa no futuro, qual dessas tecnologias lhe parece mais propícia a ser integrada ao streetwear?
Acho que terá a ver com mídias sociais. Roupas que passem mensagens de status. Especialmente quando falamos em gerações futuras, pessoas que estarão mais acostumadas a esse tipo de tecnologia. Talvez uma conectividade com o Facebook: por exemplo, a camiseta vai ficar mais brilhante se a pessoa tiver mais amigos, ou se alguém adicioná-la, acho que isso vai fazer mais sentido. Empresas como a Philips já estão patenteando ideias nesta direção. Redes sociais irão emergir de uma interação que já acontece por meio das roupas, em parceria com aplicativos de Internet, celular etc. Imagino este como um bom ponto de convergência de mídias e como produto a curto prazo. Mesmo que seja uma pequena luzinha que pisca quando alguém lhe cutuca no facebook, qualquer coisa. Aplicações sociais serão mais importantes do que tudo porque nós precisamos delas. Uma mudança na forma da roupa sem propósito é menos necessária, mas se o seu namorado quer lhe mandar uma mensagem e a sua roupa vibra, aí, sim, gera-se uma integração social. Isso é algo que realmente pode vender.
Este tecido grava as marcas das mãos das pessoas que o tocam – um pouco invasor de privacidade, não?
A moda tecnológica ainda vai demorar muito mais para chegar ao Brasil. Por aqui, as pesquisas estão em fase embrionária e destacam-se nas mãos de duas professoras, Rachel Zuanon e Luisa Paraguai, que pretendem formar um grupo de estudos dentro da área para dar um gás nesta pesquisa. Mas até preencher os balõezinhos de sonho de nossas fashion weeks com shows de luzes e tecidos que se deslocam pelo corpo e mudam de cor, ainda vai demorar um tempão. Esperamos, ansiosos!
__________________________Reportagem por Renata Reps
Fonte: Estadão online, 19/10/2010
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