domingo, 17 de outubro de 2010

Mary MacKillop, religiosa a ser canonizada

Um ponto de vista feminista sobre Mary MacKillop

Moira Rayner*

Gostaria de saber como ela se sentiria, a Irmã Mary of the Cross, se ela soubesse antes de morrer que a Igreja a faria santa 101 anos depois. Talvez, como outra ativista candidata à santidade, a defensora norte-americana dos pobres e fundadora da The Catholic Worker, Dorothy Day, ela diria: "Não me chamam de santa. Eu não quero ser ignorada tão facilmente".
No dia 1º de setembro de 2010, o Pe. Peter Hosking SJ escreveu na publicação dos jesuítas australianos Province Express que Mary Mackillop "reverenciava os padres e respeitava a autoridade", e que, apesar de "Mary e suas irmãs terem sofrido perseguição, não foi por parte dos inimigos ou da Igreja, mas sim de certos bispos e de alguns padres".

"Mary MacKillop, religiosa australiana prestes a ser canonizada,
não era nem bonita, nem pequena, nem meiga, nem maleável.
Ela, como Dorothy Day, acreditava na justiça social
e na igualdade das pessoas."


Mas esses homens exerciam a autoridade na Igreja, e a excomunhão significou mais do que ser marginalizada pelos embusteiros, misóginos ou fracos.
Uma história como essa de mulheres religiosas na Igreja cristã institucional (porque as contribuições das religiosas muitas vezes não eram consideradas suficientemente importantes para serem formalmente documentadas. Para uma revisão desconcertante, veja "Sisters in Arms: Catholic Nuns Through Two Millennia", de Jo Ann Kay McNamara) leva a uma leitura enfurecedora.
Apesar da intimidade de mulheres poderosas e generosas com o Jesus vivo – de acordo com os evangelhos, escritos por homens –, o controle dos homens sobre as vidas de religiosas cristãs tem crescido substancialmente.
Mulheres com uma missão, como Teresa de Ávila, eram obrigadas a ser genuinamente humildes para condescender com a (ou sutilmente evitar o impulso da) vontade e as instruções que sacerdotes ambiciosos estabeleciam sobre elas, rápidos para duvidar de seu relacionamento e de sua compreensão da vontade de Deus para elas, ou para assumir a custódia dos frutos de sua espiritualidade (o confessor de Teresa de Ávila até cortou um dedo do seu corpo morto).
Mas essas mulheres sabiam que jogos estavam sendo disputados: até mesmo a "pequena flor" Teresa de Lisieux rezava, um pouco maliciosamente, pela fragilidade e (aos olhos de uma mulher do século XXI) pela tolice de alguns dos padres encarregados delas.
Apesar dos avanços sociais e intelectuais dos últimos 60 anos, quando as superioras de ordens religiosas dos Estados Unidos procuraram, da forma como foram dirigidas, rejuvenescer suas comunidades e seu governo, a simples menção da sua sujeição tradicional à autoridade absoluta e da participação das mulheres como iguais dentro da Igreja fazia com que fossem reprimidas (como MacKillop foi) por insubordinação.

"MacKillop foi excomungada em 1871 por "insubordinação".
Suas irmãs não foram autorizados
a continuar seu trabalho de ensinar as crianças pobres das cidades e
das regiões remotas,
ou até mesmo de retomar a residência
e os hábitos de sua ordem até o ano seguinte.
Elas sofreram enormemente."


Por quê? Muito tem sido dito sobre o fato de MacKillop possivelmente ter sido vitimizada por causa de seu suposto papel em "enxotar" um padre pedófilo.
Pior, depois de um apelo público a João Paulo II durante sua visita de 1979 aos EUA da então presidente da Leadership Conference of Women Religious [Conferência de Lideranças das Religiosas], cinco mulheres membros foram humilhadas publicamente por autoridades do Vaticano quatro anos depois, quando foram proibidas de transportar o pão e o vinho consagrados a uma assembleia de superiores do sexo masculino e feminino, conforme combinado. Tais injustiças "triviais", mas cruéis, não deveriam ser esquecidas.
Para uma mulher que, como eu, cresceu dentro da espiritualidade espartana do presbiterianismo, a canonização de MacKillop é um enigma. Se a vida de uma educadora e ajudante competente, convicta e independente dos pobres isolados da Austrália foi tão exemplar a ponto de ser um modelo para os outros em 2010, por que ela e suas irmãs sofreram tanto durante suas vidas nas mãos da Igreja que agora quer louvá-la?
MacKillop foi excomungada em 1871 por "insubordinação". Suas irmãs não foram autorizados a continuar seu trabalho de ensinar as crianças pobres das cidades e das regiões remotas, ou até mesmo de retomar a residência e os hábitos de sua ordem até o ano seguinte. Elas sofreram enormemente.
Por quê? Muito tem sido dito sobre o fato de MacKillop possivelmente ter sido vitimizada por causa de seu suposto papel em "enxotar" um padre pedófilo. A própria MacKillop, escrevendo a história de sua ordem, disse apenas que "muito precisa ser superado" com relação ao seu tempo.
Que ela caiu em desgraça é inquestionável. Muito pouco tem sido dito sobre o fracasso de seu colaborador de longa data, Pe. Julian Tennison Woods, em apoiá-la. Merecidamente, muito mais foi dito sobre a compaixão e a sabedoria dos jesuítas de Santo Inácio de Norwood, no sul da Austrália, que lhe deram refúgio e conforto sacramental durante esse tempo.
Mas o seu tratamento, então, como uma mulher imigrante que fundou a primeira ordem religiosa australiana para mulheres deveria fazer com que as cristãs modernas se perguntem sobre o seu papel na Igreja de hoje.

"Talvez ela concordaria com Virginia Woolf:
 "A história da oposição dos homens à emancipação das mulheres
é talvez mais interessante
do que a própria história da emancipação".


O que MacKillop faria com tudo isso? Segundo muitos, ela era uma mulher apaixonada, que forjou amizades duradouras com outros "forasteiros" – sua grande amiga, Joanna Barr-Smith, era uma presbiteriana, um de seus doadores mais generosos, Emmanuel Solomon, era judeu – e com líderes políticos, como o governador do sul da Austrália, que enviou seu filho para ser educado por ela. Mas ela fez com que religiosos católicos homens se sentissem profundamente incomodados.
Ela não era nem bonita, nem pequena, nem meiga, nem maleável. Ela, como Day, acreditava na justiça social e, independentemente se ela tenha usado ou não um termo como "feminista", na igualdade das pessoas.
Talvez ela concordaria com Virginia Woolf: "A história da oposição dos homens à emancipação das mulheres é talvez mais interessante do que a própria história da emancipação". Ou ainda: "As mulheres serviram durante todos esses séculos como espelhos que possuem o poder de refletir a figura do homem com o dobro do seu tamanho natural".
Ave Mary MacKillop: um modelo maravilhoso da coragem australiana de ser ela mesma.
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* A opinião é da advogada e escritora australiana Moira Rayner, em artigo para o sítio Eureka Street, 11-10-2010.
 A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 17/10/2010

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