quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dois programas antagônicos

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI*
Imagem da Internet
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Se Dilma tende ao estatismo, Serra cada vez mais se torna adepto
de controle desenhado por instituições
que se tornem públicas sem serem estatais

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Aos poucos, na confusão generalizada da batalha eleitoral, vão se configurando duas diferentes concepções do que possa ser o Estado brasileiro. Lembremos, antes de tudo, que nossa política está atravessada pelo debate entre PT e PSDB, dois partidos de centro, sem que se possa perceber entre eles antagonismo ligado a classes sociais, embora cada um possa ser mais ou menos popular.
Não há no horizonte qualquer perspectiva neoliberal, pois os dois concorrentes à Presidência da República são profundamente intervencionistas, pedem um Estado forte, capaz de controlar democraticamente as instituições e o capitalismo brasileiro. A diferença reside na forma da democracia proposta e no modo de intervir no capital.
Depois do insucesso do socialismo real, que se mostrou um capitalismo de Estado propício a regimes ditatoriais, tornamo-nos sociais-democratas. Somos obrigados a conviver com um sistema capitalista de produção assentado em diversos mercados. Sem suas indefinições, que obrigam a economia a se ajustar segundo interesses privados, sem as informações que esses desajustes provocam, sem o estímulo da competição tecnológica, o sistema produtivo emperra e deixa de suprir as necessidades da população.
Além do mais, é preciso levar em conta diferenças no desempenho de cada indivíduo. Desapareceram as propostas de igualar os salários e de que cada um contribuísse segundo suas capacidades e recebesse segundo suas necessidades. Não há critério para determinar capacidades e necessidades sem o jogo das indefinições privadas.
Não é por isso, entretanto, que devemos acreditar que o movimento dos interesses privados naturalmente se ajustaria a padrões de justiça social. O mercado trama ilusões que abrigam sistemas injustos de troca sob a aparência de operações equilibradas. Bom exemplo são os efeitos perversos do mercado imobiliário na cidade de São Paulo.
Daí a importância da política. Mas, para ser democrática, não pode deixar nas mãos dos gestores instrumentos permitindo-lhes bloquear a luta pelo poder. É desse ponto de vista que a privatização deve ser discutida, pois nem sempre implica perda para os fundos públicos.
Tudo depende de como a empresa privada fica submetida a uma regulação pública e ao sistema tributário. Quando um partido submete uma empresa pública a seus interesses, ela se torna privada.
Se reconhecermos a necessidade da alternância do poder, já que um único partido não é capaz de anular as injustiças provadas pelo desempenho descontrolado dos mercados; se acreditarmos que somos apenas parte da verdade, o adversário vindo a ser indispensável na sua constituição, passaremos a combater o Estado proprietário.
Em vez dele, apostamos em forte sistema de controle social, para que cada um de nós tenha assegurada suas liberdades pública e privada. Sob esse aspecto, avultam as diferenças entre Dilma Rousseff e José Serra. Se Dilma tende ao estatismo, a um controle direto dos meios de produção, Serra cada vez mais se torna adepto de um controle desenhado por instituições que se tornem públicas sem trazerem o peso de serem estatais.
Essas duas tendências independem das personalidades dos candidatos, intensamente propositivos, mas se configuram pelas forças políticas que passam a representar.
Numa democracia em que o embate político se dá no centro das opções ideológicas, se o governo será mais à direita ou à esquerda, tudo vai depender de como cada grupo que chega ao poder se abre às novas formas de demanda social e às exigências de um capitalismo atual e competitivo.
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*JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
Fonte: Folha online, 27/10/2010

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