quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Desemprego e suas interpretações

Marcio Pochmann*

Imagem da Internet

 
O desemprego representa um problema permanente nas economias capitalistas, uma vez que a plena ocupação da força de trabalho somente tem ocorrido em poucos países, geralmente de forma pontual e localizada no tempo. Apesar de haver certo consenso a esse respeito, prevalece inegável controvérsia sobre as causas do desemprego e, por consequência, as receitas necessárias ao seu contínuo enfrentamento.
De maneira geral, dois grandes eixos teóricos distinguem o debate acerca do desemprego no capitalismo. O primeiro encontra-se insulado no funcionamento do mercado do trabalho, valorizando fundamentalmente os aspectos atinentes à oferta e demanda de mão de obra. A restrição a variáveis endógenas do mercado de trabalho favorece a proliferação de estudos e pesquisas a respeito das decisões de busca por emprego e do perfil educacional e de treinamento dos ofertantes de força de trabalho.
Nesse sentido, ganha relevância os mecanismos que podem tanto estimular a inatividade da mão de obra, como os benefícios de garantia de renda (seguro desemprego e modalidades diversas de apoio aos pobres), quanto restringir o avanço educacional da força de trabalho. Também têm importância para esse eixo teórico, as análises e interpretações dos constrangimentos internos ao livre funcionamento do mercado de trabalho, especialmente na contratação e demissão de trabalhadores pelas empresas.
Assim, os aspectos referentes à regulação pública do mercado de trabalho (legislação social e trabalhista, valor do salário mínimo, previdência social, entre outros) tornam-se centrais na perspectiva de compreensão de possíveis barreiras microeconômicas ao estabelecimento do salário como ponto de equilíbrio entre ofertantes e contratantes de mão de obra. Ou seja, quanto menor a intervenção pública no interior do mercado de trabalho (flexibilidade plena) maiores tendem a ser as chances de combate ao desemprego.
O segundo grande eixo teórico determina o desemprego a partir de um conjunto de variáveis exógenas ao funcionamento do mercado de trabalho, uma vez que compreende o emprego diretamente dependente da dinâmica mais geral da economia. Por conta disso, estudos que tratam das estruturas do funcionamento da economia (mudanças tecnológicas, capacidade dos estados nacionais realizarem políticas autônomas de defesa da produção e emprego, políticas de distribuição de renda, grau de internacionalização da produção e inserção econômica mundial, entre outros) são mais relevantes na explicação do desemprego e no seu tratamento.
Nos países de baixo dinamismo econômico, por exemplo, a possibilidade de geração de mais empregos tende a ser restrita, o que cria excedente de mão de obra frente às necessidades de contratação dos empregadores. O contrário, portanto, seria verdadeiro: a expansão produtiva mais acelerada tenderia a demandar mais empregos, embora a sua qualidade dependa muitas vezes do perfil do crescimento econômico existente (maior ou menor valor agregado), entre outros fatores.
Uma vez situado rapidamente o debate contemporâneo sobre o desemprego, torna-se mais fácil entender a premiação do Nobel de Economia em 2010 para teóricos da fricção entre oferta e demanda por trabalho. A respeito disso, observa-se que durante os últimos dez anos, a Academia Real de Ciências da Suécia concedeu por três vezes o prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas - criado em 1968 na celebração dos 300 anos de aniversário do Banco Sueco e em memória de Alfred Nobel -, a economistas que tratam do tema do mercado de trabalho. Todos eles, diga-se de passagem, identificados com o primeiro eixo teórico de entendimento do desemprego, cujas razões localizam-se no interior do funcionamento do mercado de trabalho. Em 2000, James Heckman (junto com Daniel McFadden) recebeu o Nobel de Economia por suas pesquisas em educação e escolhas individuais no mercado de trabalho. Em 2006, o prêmio foi para Edmund Phelps, mais preocupado com a relação entre desemprego e inflação.
Em 2010, três influentes economistas (Peter Diamond, Dale Mortensen e Christopher Pissarides) foram contemplados com o Nobel de Economia por estudos e pesquisas que tratam da oferta e demanda de mão de obra. Apesar da crítica inicialmente estabelecida à teoria econômica clássica da determinação do emprego por resultado do livre encontro da oferta com a demanda de mão de obra, Diamond, Mortensen e Pissarides (modelo DMP) defendem desde 1994 a plena flexibilização no funcionamento do mercado de trabalho. Para isso, partem da constatação de que a existência do desemprego não indica necessariamente ausência de empresas interessadas em contratar, recolocando em cheque a hipótese de encontro automático entre oferta e demanda de mão de obra.
Assim, o desemprego friccional resultante dos ruídos no interior do mercado de trabalho não pode ser suficientemente explicado pelo preço (salário/custo), uma vez que é possível haver falta de mão de obra para empresas em meio à existência de pessoas sem emprego e que procuram por trabalho. Noutras palavras, os três economistas identificam a interferência negativa da regulação pública e da ação da política econômica no interior do mercado de trabalho como responsável pelo funcionamento menos eficiente das forças de mercado. As propostas dos três fazem parte do receituário que se tornou conhecido por neoliberal, ou seja, a defesa da flexibilização do mercado de trabalho, com corte de benefícios sociais e redução de custos de demissão.
Os premiados deste ano são críticos da posição adotada por nações, especialmente europeias, de continuar a sustentar a renda e garantir benefícios aos desempregados na crise global de 2008, pois entendem que isso terminou promovendo ainda mais problemas no funcionamento do mercado de trabalho. Estranhamente, o mercado de trabalho mais flexível dos Estados Unidos acusou maior desemprego que o menos flexível mercado de trabalho da União Europeia durante a recessão passada.
Interessa destacar, por fim, que a premiação dos estudos sobre o desemprego pela Academia Real de Ciências da Suécia recoloca o tema do pleno emprego nas economias capitalistas. Infelizmente tendem a prevalecer estudos e pesquisas no âmbito de interesse das economias localizadas ao norte do planeta, cuja problemática nem sempre é a mesma dos demais países. Aliás, as economias menos afetadas pela última crise global e que agora puxam a recuperação mundial convivem com outros tipos de problemas no mercado de trabalho, como a escassez de mão de obra qualificada frente ao forte crescimento da produção. E, para isso, os estudos dos três renomados economistas premiados em 2010 parecem pouco contribuir.
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* Marcio Pochmann Professor licenciado do Instituto de Economia da Unicamp e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Fonte: Valor Econômico online, 13/10/2010

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