sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A guerra da propaganda

Torquato*


A Revolução Francesa pode ser considerada o marco da propaganda agressiva. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam as multidões. Na atualidade, os Estados Unidos detêm a referência maior da propaganda negativa.
Esse formato, cognominado mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois partidos que se revezam no poder — Democrata e Republicano —, as diferenças entre perfis e programas são nítidas e a polarização ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, os direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, dentre outros. Mesmo assim, nem sempre a estratégia de bater no adversário é eficaz.
Na campanha para o Senado em 2008, a republicana Elizabeth Dole atacou a rival Kay Hagan, veiculando anúncio que insinuava ser ela ateia. A democrata reagiu, dizendo ser professora e religiosa e que Dole queria, na verdade, desviar-se da pauta econômica. Ganhou a disputa por nove pontos. Já Lyndon Johnson, em 1964, detonou o republicano Barry Goldwater associando-o à ameaça de uma guerra nuclear.

"Ocorre uma “canibalização recíproca”,
 manifestada na expressão popular
 “todos os políticos são farinha do mesmo saco”.


Ante esse pano de fundo, emerge a questão: entre nós, a artilharia da propaganda atinge o eleitorado? É capaz de mudar posições e intenções dos eleitores?
Os perfis de Serra e Dilma se inserem na moldura técnica e, sob esse abrigo, parecem destoar da linha agressiva dos spots publicitários que suas campanhas despejam. Tiros de um lado e de outro acabam se anulando no ar. Ocorre uma “canibalização recíproca”, manifestada na expressão popular “todos os políticos são farinha do mesmo saco”.
Ademais, as práticas partidárias são assemelhadas entre as legendas, o que as junta no mesmo descrédito. O eleitor não consegue descobrir as cores mais claras e as mais cinzentas. O calor do embate, principalmente nos instantes finais de um pleito, acaba também impedindo a correta avaliação de excessos e abusos de ambos os lados.
Mensagens de teor negativo geram eficácia em campanhas de saúde e de prevenção de acidentes. Também geram consequências em certos momentos, principalmente quando envolvem valores profundamente arraigados na sociedade. Quem não se recorda do episódio envolvendo Miriam Cordeiro e sua filha Lurian, utilizado por Collor nos últimos sete dias da campanha do segundo turno em 1989? A onda negativa contribuiu para o naufrágio de Lula na eleição presidencial.
De lá para cá, escândalos aos montes, máfias incrustadas na administração pública, cooptação de parlamentares por via escusa e, casos estrambóticos envolvendo a vida pessoal de atores políticos contribuíram para banalizar a agenda negativa da política. Isso explica por que parcela das pessoas resiste à influência de candidatos sobre seu psiquismo. A propaganda eleitoral vem apenas reforçar a ideia que já têm dos contendores.
Diante do cenário descrito, resta aduzir que a campanha negativa, cuja contundência alcançou o clímax nos últimos dias, não levará a nada.
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* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.
Fonte: Correio Popular online, 29/10/2010

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