segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A ONU e a fome

Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE PEDRO LOBO

Setores da ONU estão otimistas: o número de pessoas passando fome no mundo deve cair de 1 bilhão para 925 milhões. Apenas cerca de um sexto da população mundial está passando fome. Como dizem os publicitários, a onda é positiva. Nunca se viveu tanto no planeta. Nunca se produziu tanto alimento. Nunca se acumulou tanto conhecimento. Nunca se conheceu tanta liberdade. Nunca se passou tanta fome como agora. A população mundial é maior. Os famintos equivalem a míseros cinco Brasis. Alguns líderes mundiais andam espalhando que o número de pessoas com fome cairá pela metade até 2015. A probabilidade real disso acontecer é quase tão grande quanto a do Rubinho Barrichello ser campeão de Fórmula 1 algum dia. Ou de eu ganhar o Nobel de Literatura até 2012. Depois disso, fiquem atentos, não é de se duvidar.
Tenho convicção de que serei o primeiro brasileiro a ganhar o Nobel. Já o Cágado estará sempre fora do meu alcance. É para o Edney Silvestre. Estatísticas são como cantadas: podem ou não dar certo. Apenas 1 bilhão de pessoas passando fome no planeta deixa alguns eufóricos. Que aceleração! Em 29 países, a maioria na África ou na Ásia, a fome cotidiana é a única certeza da existência. Esse bilhão que morre de fome deve ser posto na conta dos crimes do capitalismo globalizado? Essa conta deve ser repartida com o que restou do comunismo? Segundo a mesma ONU, anualmente, a fome mata cerca de 6 milhões de crianças. Uma criança a cada cinco segundos. Isso é mais ou menos grave que os crimes do stalinismo e do nazismo? Ou igual? Perguntar não ofende, diz a sabedoria popular. Ou ofende? Deixar crianças morrerem de fome é crime doloso? Ou mera fatalidade? Efeito perverso do sistema? Uma situação passageira? Seria incompetência dos pais?
A fome prospera. Alguns países asiáticos trocaram a agricultura pela indústria. A fome aumentou. Há condições suficientes para produzir alimentos e matar a fome do mundo. Falta uma lógica distributiva. Em muitos casos, alimento demais dá prejuízo aos produtores. Melhor destruir o excedente. Ou reduzir a produção. Cerca de 19% da população mundial vive com menos de um dólar por dia, sendo 8,7% desse total latino-americanos. Cinco séculos não bastaram para que se tomassem providências eficazes. Aí a turma engravatada e com muito gel no cabelo, leitora da Veja, fica horrorizada com o surgimento dos Evo Morales e dos Hugo Chávez. É a lei do sugador: quem não quer repartir as tetas, um dia fica sem a vaca. Muuuuu!
Li na Folha.com: "A erradicação da pobreza e da fome é um dos oito objetivos que a ONU espera alcançar até 2015. Os outros objetivos do milênio das Nações Unidas são: alcançar educação primária universal; promover a igualdade de gêneros; reduzir a mortalidade infantil; melhorar o atendimento de saúde a gestantes e mães; combater a Aids, a malária e outras doenças; garantir sustentabilidade ambiental e desenvolver uma parceria global pelo desenvolvimento". A ONU acredita em Papai-Noel. Ainda bem. É a nossa única saída. Melhorou.
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*Filósofo. Escritor. Colunista do Correio do Povojuremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo online, 18/10/2010

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