sábado, 30 de outubro de 2010

Como se escolhe um presidente

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE PEDRO LOBO

Escolher um presidente pode ser tão complicado quanto escolher um bom vinho. A propaganda do produto mais confunde do que ajuda. Os nomes nem sempre dizem muito sobre as qualidades intrínsecas do que será degustado ou entronizado. Nossos critérios acabam sendo bastante subjetivos ou aleatórios: rótulo, preço, origem, popularidade, capacidade de falar em público, carisma, visibilidade e simpatia. Volta e meia alguém diz assim: o candidato Fulano de Tal não consegue fazer uma frase clara. E daí? Há quem fale mal e administre bem. Há quem administre mal e fale bem. O que é mesmo o carisma? Nem os sociólogos sabem direito. Serra e Dilma muito menos. Por que ser simpático é importante? Nunca vamos conversar com o eleito. O que isso tem a ver com bons projetos? Talvez seja só um sintoma da dificuldade de escolher.
Os debates servem menos para revelar a substância dos candidatos do que para confirmar o supérfluo. Ficamos atentos a habilidade de cada um para escapar de pegadinhas, decorar respostas, emplacar uma piadinha na hora certa, soltar uma frasezinha de efeito ou ironizar o adversário. É um jogo. Não confiamos em nosso paladar. Queremos ajuda dos especialistas. Aí é que a porca torce o rabo. Nem tudo o que tem cor de rubi tem gosto de cereja. O sociólogo francês Lucien Sfez passou quatro meses em Porto Alegre. Na França, ele bebe vinho todo dia. Conhece o assunto. Aqui, oferecemos para ele os melhores vinhos gaúchos, argentinos, chilenos e uruguaios. Inutilmente. O único vinho que ele queria era Marcus James. Confiava no seu paladar. Não se constrangia em contrariar o bom gosto local. Sabia o que queria.

"O buraco dessa eleição sempre foi claro:
conservadorismo versus reformismo."

Uma campanha eleitoral é um duro processo para se ir das aparências aos projetos. Apesar da baixaria que dominou o confronto entre Serra e Dilma, os projetos apareceram. Quem prestou atenção, sabe o que cada um representa e pretende fazer. Chegou a hora de apertar as teclas da urna. Cada um deve tentar seguir o seu paladar. Quem gosta de Marcus James não deve hesitar. O importante é seguir o próprio gosto sem se deixar impressionar pelos modismos ou pelas chantagens estéticas. Não há bem nem mal dentro da garrafa. O mal vem do excesso. A escolha de um presidente, óbvio, é mais complexa e importante que a de um vinho. Não pode, portanto, ser reduzida a uma questão de marca e marketing. Luiz Inácio provou que se pode ser bom presidente sem diploma universitário e sem título de doutor. Isso, porém, não quer dizer que Marcus James seja mesmo melhor do que um Casa Silva. O buraco é outro.
O buraco dessa eleição sempre foi claro: conservadorismo versus reformismo. Uma viagem no tempo. Em alguns momentos, parecia que estávamos em 1954, com uma legião de Carlos Lacerda vociferando contra os 100% de aumento do salário mínimo dados por Getúlio Vargas. Na época, último governo de Vargas, o grande confronto era entre privatização e controle do Estado de riquezas como o petróleo. Nada de novo no front. A diferença é que Luiz Inácio sairá vivo do palácio. Voltará nos braços do povo?
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* Filósofo. Escritor. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo online, 30/10/2010

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