terça-feira, 19 de outubro de 2010

Política e assassinato

RUBEM ALVES*
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Camus declarou que nunca poderia ser um político
por ser incapaz de desejar a morte de seus adversários

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LECZEK KOLAKOWSKI foi um filósofo polonês nos tempos em que a Polônia era dominada pelo Partido Comunista. Olhando para o cenário político da Polônia, ele viu coisas que os não filósofos não viam. Percebeu que o jogo do poder era jogado por dois tipos de jogadores: "sacerdotes" e "bufões".
Os "sacerdotes" são adoradores de um monstro chamado partido. O partido é como a igreja: sagrado. Sagrado é tudo aquilo que deve ser reverenciado e obedecido. Ele proíbe o ato de pensar e duvidar e exige que seus dogmas sejam repetidos como se fossem catecismos: " Boca de forno! Fareis tudo o que o seu mestre mandar? Faremos todos..."
Nisso os membros de igrejas e os membros do partido são iguais. Por se acreditarem donos da verdade, os "sacerdotes" são sérios e intolerantes, e estão prontos a destruir aqueles que duvidam. Os "sacerdotes" desejam matar os adversários e para isso lançam mão de todos os artifícios, inclusive a fogueira.
Camus percebeu o impulso assassino da política e declarou que nunca poderia ser um político por ser incapaz de desejar a morte de seus adversários. Os debates políticos, não são eles todos tentativas de assassinato?

"Nisso os membros de igrejas e
os membros do partido são iguais.
Por se acreditarem donos da verdade,
os "sacerdotes" são sérios e intolerantes,
e estão prontos
a destruir aqueles que duvidam."

Os "bufões" são palhaços. Sua vocação é produzir o riso diante dos ídolos dos "sacerdotes" e transformar seus altares em mictórios. Seu mundo não tem verdades; apenas risos. Seus pensamentos são leves e voam como as borboletas...
Observando o que tem acontecido na política brasileira, meus olhos viram coisa parecida com aquilo que os olhos de Kolakowski viram na Polônia de sua época. Três tipos de atores desfilaram à minha frente: os políticos por profissão, os palhaços e os poetas. Cada um deles jogando do jeito como sabem e gostam de jogar.
Os políticos por profissão fazem o jogo do poder. Como jogadores de tênis, é preciso dar a cortada que tire o outro concorrente da jogada. Cada cortada bem sucedida é um golpe assassino. Promessas são engodos para que o peixe morda o anzol. Todos os anzóis são permitidos.
Dito por Maquiavel: "Não importa que o Príncipe seja justo; o que importa é que ele "pareça" ser justo". Os peixes não são movidos pelo anzol, mas por aquilo que "parece ser" a isca. Daí a importância dos especialistas na produção de imagens. São eles que seduzem os peixes a morder a isca.
O Tiririca não queria enganar ninguém. O cinismo do candidato era descaradamente verdadeiro. Ele queria apenas representar o seu número de palhaço. Mas enganam-se aqueles que interpretam a sua performance no pleito como uma "palhaçada". O voto para o Tiririca foi uma palavra, na verdade um "palavrão" do eleitor, uma gargalhada no picadeiro do circo das eleições... Traduzido seu significado, o voto ao Tiririca queria dizer: "Eu o considero palhaço, superior a todos os outros que se vestem com jaquetão e gravata..."
E a Marina... Fraca. Por que se candidatou? Candidatou-se para dizer um poema, sabendo que "a política nunca pode provocar poesia"( Goethe). E com a poesia proclamou aquilo que Camus anunciou: que nenhum povo pode viver sem a beleza.
Mas depois de apurados os assassinatos, onde estará a poesia? De que se alimentará o povo?
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* Teólogo. Educador. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 19/10/2010

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