quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pequena Abelha: grande livro


Imagem da Internet

 
Chris Cleave Autor de “Pequena Abelha”O livro chegou em uma caixa especial, como se fosse um presente. Capa, contracapa e orelha estão tomadas por recomendações críticas (“Vai extasiar você”, escreveu o Washington Post; “Uma história arrebatadora”, deu no New York Times). Pede-se ao leitor: “Depois de ler este livro, você desejará comentá-lo com seus amigos. Quando o fizer, por favor, não lhes diga o que nele acontece. O encanto está sobretudo na maneira como esta narrativa se desenrola”.
Tamanha propaganda surtiu efeito: comecei a ler Pequena Abelha no mesmo dia para conferir se o romance do escritor inglês Chris Cleave, 37 anos, fazia jus. Digo a vocês duas coisas: 1) de fato arrebata e extasia; 2) para que este texto e a entrevista a seguir façam sentido, vou ter que falar um pouco sobre o que acontece, tá?
A Pequena Abelha do título é uma adolescente nigeriana que foi parar em um centro de detenção para imigrantes ilegais na Inglaterra. Seu refúgio é a palavra: ela aprendeu “o inglês da rainha” para não ser traída pela linguagem quando pudesse sair (o que torna a personagem uma parente da protagonista de Preciosa, outra garota negra e deslocada da sociedade que encontra na palavra a salvação). Seu olhar sobre a vida fascina ao dosar sabedoria – “Uma cicatriz nunca é feia. Isto é o que aqueles que as produzem querem que pensemos. (...) Uma cicatriz significa: ‘Eu sobrevivi’” – e espanto: tal qual um irônico alien ou uma criança esperta, ela desnuda os absurdos do que chamamos de civilização.
A jornada da moça vai se cruzar com a de Sarah, jornalista mãe de um guri de quatro anos que não tira a fantasia de Batman. A voz de Sarah – Cleave intercala a narrativa, um capítulo para cada personagem – não é tão forte quanto à de Pequena Abelha, e eis o ponto fraco do livro, mas ela é fundamental porque funciona como um espelho do leitor, instado a se posicionar diante de problemas, dramas e tragédias que, aparentemente, não lhe dizem respeito.
Como qualquer best-seller que se preze, o livro virará filme, com Nicole Kidman no papel de Sarah – seguindo o caminho do primeiro romance de Cleave, Incendiário, estrelado no cinema por Michelle Williams e Ewan McGregor (e disponível em DVD).

ENTREVISTA

Chris Cleave Autor de “Pequena Abelha”

Zero Hora – Você escrevia uma coluna sobre paternidade e filhos no jornal The Guardian. Como foi atraído por assuntos mais densos, como terrorismo, tema de seu primeiro romance, Incendiário, e agora a questão dos refugiados?
Chris Cleave – Meu interesse nos assuntos densos é secundário. Minhas histórias versam sobre pessoas comuns como nós, que são apanhadas nas grandes tragédias do mundo. O pano de fundo de meus romances é político, mas o primeiro plano é pessoal. Escuto as ideias geopolíticas, morais e religiosas sobre o mundo, mas estou sempre perguntando: “Sim, mas o que isso significa na vida de um indivíduo?”. Porque se você não consegue encontrar um exemplo de vida individual que se adapte a sua grande ideia política, então sua ideia política não é boa.

ZH – Qual é sua opinião sobre a questão da imigração ilegal e a existência de campos de detenção?
Cleave – Como escritor, minha opinião tem de ser sempre humana, em vez de política. Pergunto-me: o que faria se temesse pela minha vida e a dos meus familiares? Naturalmente, fugiria para um lugar mais seguro, fosse isso legal ou ilegal. Por isso, quando decidimos, em nossos países seguros, como lidar com os refugiados, temos de lembrar sempre que eles são humanos e estão fazendo justamente o que faríamos se tivéssemos a desgraça de estar em sua situação.

ZH – Não é muito comum que um escritor do sexo masculino narre sob o ponto de vista feminino. No seu caso, são dois pontos de vista femininos.
Cleave – Sempre me interessei no modo como as mulheres usam a linguagem quando conversam. Acho que elas constroem o mundo de um jeito mais harmonioso. Além disso, conversam mais sobre suas preocupações, expectativas, amores, ódios. Os homens pensam em tudo isso também, e suas vidas interiores são igualmente interessantes, mas não falam sobre isso. Portanto, se quero contar uma história que contenha questões morais terríveis por meio de ações e diálogos, melhor usar ações e diálogos femininos.

ZH – Seu livro tem humor, mesmo tratando de temas sérios. Como você conseguiu encontrar o equilíbrio?
Cleave – Há uma cena do livro em que Pequena Abelha ri, e outro personagem lhe diz: “Se você compreendeu a gravidade de sua situação, não deveria rir assim”. E ela responde: “Se não pudesse rir, acho que minha situação seria muito mais grave”. Acho que isso capta o modo em que tentei escrever o livro. Tento salientar que nem todas as vítimas de tragédia são pessoas necessitadas e infelizes. Algumas das pessoas mais determinadas foram desprovidas de tudo que tinham, exceto seu senso de humor. É esse humor que mantém sua humanidade.

ZH – Você já imaginou o que faria em uma situação como a do terrível episódio na praia, descrito no livro? Penderia mais a agir como Andrew ou como Sarah?
Cleave – Esta é exatamente a pergunta que espero que os meus leitores se façam. É muito difícil saber como agiríamos no calor de uma situação aterrorizante. Provavelmente eu agiria mais como Andrew.
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Reportagem por TICIANO OSÓRIO
Fonte: ZH online, 13/10/2010

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