quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Intuição, caminho para aprender e criar


Informática: A lógica linear- cartesiana, sozinha,
leva a armadilhas de simplificação.


"Você não é pago para pensar, mas para fazer." Se essa frase lhe soa familiar no ambiente de trabalho, não fique irritado se depois de ouvi-la receber por e-mail um comunicado incentivando todos a trabalhar pela inovação e para gerar novas ideias.
O que parece confuso e paradoxal no universo das organizações nada mais é do que reflexo de uma cultura utilitária e quantificadora. "É assim que as coisas funcionam", explica Humberto Mariotti, psicoterapeuta, consultor na área de desenvolvimento pessoal e organizacional, professor da Business School São Paulo (BSP), em "Pensando Diferente". Sua proposta é alentadora, pois pretende livrar-nos do conformismo e mostrar caminhos para lidar com a incerteza e a complexidade. Ele faz um convite à reflexão e mostra que é possível combinar atitudes de filósofo, aquele que pensa, com a de tecnocrata, o que realiza.
Não é tarefa fácil, na medida em que as organizações buscam reforçar o que o jargão administrativo chama de "melhores práticas". Para Mariotti, trata-se de pura ideologia, que reduz tudo a uma lógica que confunde utilitarismo com competência profissional. O argumento para comportar-se segundo a regra do "faça e não pense" é manter a objetividade e, portanto, a eficiência. De fato, numa atitude de buscar segurança e evitar a incerteza, as pessoas gostam de seguir o manual de melhores práticas para não ter que pensar. Mas, como nota Mariotti, "deixam de perceber que as ditas melhores práticas em geral são ações repetitivas que não produzem inovação".
Exemplo bem simples é o do médico que trata seus pacientes utilizando os melhores recursos, mas não leva em consideração as diferenças de cada pessoa na forma de se relacionar com a doença. A eficiência do método, nesse caso, não leva necessariamente aos melhores resultados.
O livro de Mariotti não se propõe ser um manual sobre como pensar diferente. Faz refletir e mostra como construímos armadilhas que nos aprisionam a atitudes simplificadoras. Ele valoriza a intuição, como meio de conhecimento e fonte de criatividade, ao demonstrar que a lógica linear-cartesiana (a que compreende o todo pelas partes que o compõem) não é a única a ser levada em conta.
O pensar diferente de Mariotti está muito próximo do que a Apple faz para se diferenciar e manter-se na ponta da inovação. O design dos produtos iPad, iPod e computadores Macs não é aleatório e muitas vezes determina sua funcionalidade. No livro, o autor menciona o exemplo dos relógios Swatch, no final da década de 1970, para mostrar como romper a limitação da cultura vigente, que vê o conhecimento como utilidade e não como valor. A inovação da indústria relojoeira suíça, ao enfrentar a dura competição japonesa, foi muito mais filosófica do que resultado de tecnologia ou qualidade dos produtos. O mundo da indústria suíça, até então regido pela lógica imutável da precisão, foi alterado em sua essência. O sucesso do Swatch é produto do subjetivo - aspectos emocionais, artísticos, ligados à moda- em complemento a características objetivas.
A alusão aos relógios não é acidental. Serve para distinguir sistemas complexos de sistemas complicados. Nestes últimos, elimina-se a incerteza e o erro - como a precisão mecânica. Os sistemas complexos embutem a natureza humana e toda ambiguidade inerente a ela. Para Mariotti, os gestores erram ao não aceitar um certo nível de erro e a incerteza no mundo real - esse nível sempre é maior do que se pensa. A falta de consciência sobre esse fato causa a ilusão de que é possível suprimir a complexidade da natureza para poder dominá-la.
A repetição de crises econômicas, por mais que revelem a irracionalidade do componente humano, não é suficiente para evitar a ilusão de que os mercados podem se comportar de forma perfeita, como relógios. Racionalizar a perfeição dos mercados é agir como a raposa que desdenha das uvas por acreditar que estejam verdes. "Esquecêmo-nos do que nos convém esquecer e só nos lembramos do que convém lembrar." Segundo ele, essa é a razão pela qual "a ortodoxia é vista com bons olhos: ela nos proporciona a ilusão de que pouco ou nada mudará, o que alivia nossa insegurança".
Pensar diferente, na visão do autor, é lidar com o intangível. Nossa cultura, porém, estaria mais voltada para enxergar apenas o sólido e o concreto, ou tudo que pode ser mensurado. A mudança que ele propõe está relacionada a um princípio básico da ciência da complexidade: um sistema é complexo não pelo número de elementos que o compõem, mas pelo número de conexões entre eles. Exemplo? Cinco meses antes dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, vários relatórios apontavam sinais de que Osama Bin Laden planejava alguma coisa relacionada a Nova York. Embora tenham recebido os documentos, CIA, FBI e Departamento de Estado agiram de forma burocrática e passaram adiante os relatórios sem que as informações fossem cruzadas. Uma providência que parece óbvia não foi tomada. Para Mariotti, sem o cruzamento dos dados, as informações não tinham valor como conhecimento. "A interação faz a inteligência. E isso é intangível."

"Pensando Diferente"

Humberto Mariotti.
Editora Atlas 320 páginas, R$ 55,00
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Por Edson Pinto de Almeida

Para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2010

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