Roberto Arriada Lorea*
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O debate sobre influência religiosa na política fortalece a democracia. No Brasil, evitando posicionar-se sobre os limites da liberdade religiosa, os candidatos preferem cortejar eleitores cujo voto está condicionado pela fé. Enquanto isso, confunde-se a liberdade de viver segundo sua própria crença com a liberdade de impor sua crença ao outro.
Sobre o aborto, por exemplo, o presidente Lula afirmou que nada faria contra a fé cristã que recebeu de sua mãe, violando a liberdade de milhões de brasileiros que não compartilham sua religião, mas se viram súditos da fé presidencial. No Congresso Nacional, o debate sobre a descriminalização do aborto se deu à luz da Bíblia, não da Constituição. No STF, em audiência pública sobre anencefalia, viram-se líderes religiosos subsidiando a decisão dos julgadores, ignorando-se que convicções religiosas não podem ser impostas pelo Judiciário.
Estima-se que, até o final do século, a religião católica (que perde 10 mil fiéis/dia na América Latina) deixará de ser majoritária entre a população brasileira. Preparando o novo cenário, tramita no Congresso a “Lei geral das religiões”, cujo texto não é conhecido pelos brasileiros, os quais ignoram vários atentados à laicidade do Estado. Em MG e no RS, por exemplo, os Tribunais já decidiram pela inconstitucionalidade de leis que impunham a leitura da Bíblia na escola pública. Em SP, o então governador Serra vetou o projeto “Deus na escola”.
Para enfrentar a complexidade desse tema, não basta boa vontade. São necessários profissionais com formação nessa área do conhecimento. No centenário da Faculdade de Direito de Recife (1927), Methodio Maranhão propunha a disciplina Direito e religião. É preciso estimular esse debate. Um bom exemplo vem da Faculdade de Direito da Brigham Young University, nos EUA, cujo Centro Internacional de Estudos em Direito e Religião, em sua 17ª Conferência anual, reuniu professores, religiosos, ministros de Estado, congressistas, advogados e juízes de 40 países para debater esse tema.
É fundamental contarmos com profissionais preparados para enfrentar a intolerância religiosa, manifesta no rechaço a modos de vida que não se submetem à fé do opressor. É preciso que o Estado assegure a neutralidade do espaço público em matéria religiosa, garantindo que todos os cidadãos sejam igualmente respeitados, independentemente de sua crença ou ausência dela.
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*Juiz de Direito, coordenador do Núcleo de Estudos em Direito e Religião na Escola Superior da Magistratura
Fonte: ZH online, 15/10/2010
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