quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O avarento

Célia Siqueira Farjallat*


O mendigo Michel Clercy, 82, foi encontrado morto, enregelado, envolto em trapos a um canto do Saint- Germain, em Paris. Biloca, 76 , morreu em um beco de Porto Alegre. Ambos tinham um traço comum : eram avarentos. Na pocilga onde habitavam, ele na Cidade Luz, ela numa bela Capital sulina, tinham um traço comum: eram avarentos. Podiam ter desfrutado ambos velhice feliz e confortável, mas preferiram guardar seu dinhero porque ambos eram avarentos. O drama dos dois mendigos impressionou-me. Vai daí, imaginei o drama do apego alucinado ao dinheiro, desta escravidão medonha, que arrasta à fome, às privações, a solidão em troca de quê? De amontoar, de privações medonhas, de amontoar coisas que de nada lhes servirão no futuro.
Nem mesmo a morte consegue comover o avarento. Conta-se que uma mulher já agonizante dizia: “Se pudesse derreter minha moedas de ouro , as engoliria antes de morrer! E Guy de Maupassant em um conto admirável , narra de uma mulher dada como morta. Começa o velório, mas de repente, a velha dada como morta, dá um salto e vendo aquele desperdício, apaga três das velas . Era, com certeza uma avarenta de raça.
Devemos a Molière o perfil clássico do avarento. O seu Harpagão reúne todos os traços de um perfeito avarento, apego ao dinheiro, Sendo rico, possui uma bela carruagem e criados, morrendo de fome. Para casar a filha, pesquisa a riqueza do futuro noivo, a quem pretende datar nenhum dote como era costume. Le Père Grandet, de Balzac reúne todos os traços do avarento: hipocrisia, astúcia. Já muito doente pede à filha espalhe seu dinheiro sobre uma mesinha junto ao leito . Não quer se separar de seu ouro .
O tipo clássico de avarento está em Shylok de Shakespeare. Fez um contrato escandaloso , emprestando três mil ducados a Antônio, exigindo que se a quantia não fosse devolvida no prazo certo, lhe cortaria uma libra de carne. O pobre devedor é salvo pela esperteza do juiz, que exigiu não fosse derramada uma gota de sangue do devedor.
Temo os avarentos. Considero-os capazes de todas as infâmias. E, oro fervorosamente: Deles , livrai-nos, Senhor!
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* Célia Siqueira Farjalatt, cronista do Correio, escreve nesta página às segundas, quintas e sextas
Fonte: Correio Popular online, 18/10/2010

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