Affonso Romano de Sant'Anna*
Foto da Internet
"Emergia um ser humano ainda mais complexo e desolado.
A fama, o dinheiro, o poder e o sexo não
sanaram uma carência básica e profunda"
Estão publicando na França uma espécie de diário (com textos meio poéticos) de Marilyn Monroe. Quando Marilyn Monroe morreu, em1962, ficamos todos perplexos. Os ídolos americanos estavam morrendo muito naquele tempo. Antes foi James Dean, depois um Kennedy (o John), mais outro Kennedy (o Bob), Martin Luther King etc. Volta e meia, nos jornais e revistas de Belo Horizonte, como Correio de Minas, a revista Três Tempos, Diário de Minas e Binômio (onde trabalhavam figuras, como Fernando Gabeira, Roberto Drummond, Ivan Ângelo, Fernando Mitre e Guy Almeida), estampávamos páginas inteiras com o nosso pasmo ante essas mortes. Convertendo notícias de jornal em poesia, publiquei um poema com efeitos sonoros badalando como um sino fúnebre a musicalidade das palavras: Marilyn Monroe
Marilyn Morreu
Quando morei em Los Angeles, nos anos 1960, fiz questão de visitar a tumba de Marilyn. Uns 50 anos depois, nos chegam fragmentos do diário íntimo da trágica atriz. A qualquer hora será traduzido aqui e vamos conhecer mais uma faceta dessa deslumbrante e desorientada mulher. Das tragédias dela já tínhamos incontáveis narrativas: desde a menina Norma Jean educada num orfanato ao fato de tornar-se amante tanto de John quanto de Robert Kennedy; desde ser estuprada por mafiosos até a jovem que tentou ler Ulisses de James Joyce; tanto o símbolo sexy de revistas e folhinhas quanto a jovem que sentia atração por homens mais velhos e intelectuais, como Arthur Miller. Já sabíamos de seu romance com Yves Montand, quando fizeram juntos um filme. Não sabia que ela tinha sido amante de Elia Kazan e que este é que a encaminhara a Lee Strasberg para que aprendesse a representar.
Aliás, não sabia nem sabemos muito das pessoas que pensamos conhecer. E, no caso de Marilyn, isso está lembrando aqueles baús de Fernando Pessoa — é interminável e surpreendente o que se pode saber sobre ela.
Agora, esse diário. Há coisas anotadas aleatoriamente, sem preocupação literária ou de publicação. Uma ou outra coisa meio enigmática, sem pontuação, como nas agendas das adolescentes. Leio uns trechos, como esse de 1950:
“Sozinha!!!!!!!! Estou só. Estou sempre só não importa o que ocorra.
Olho mag. Hu 27291. Rupert Allan. Não se deve ter medo a não ser do medo
Em que creio eu? O que é a verdade?
Creio em mim até nos meus sentimentos mais delicados e íntimos.
Afinal tudo é pessoal.
Meu líquido mais precioso não deve se desperdiçar
Meu líquido mais precioso não deve se desperdiçar
Não desperdicem o precioso líquido da força vital
Eis todos os meus sentimentos que me ocorrem
Meus sentimentos não chegam a se desenvolver em palavras.”
E assim se sucedem seus temas ou obsessões: ela falando de sua “depressão louca”, dizendo “tenho necessidade de ser aterrorizada”, “não podemos amar o outro”, pedindo ajuda e repetindo a frase do poeta Milton: “As pessoas felizes estão por nascer”.
O editor (Didier Jacob) desses diários meio poéticos — e obviamente patéticos — revela que os textos haviam ficado com Lee Strasberg, que, ao morrer, os deixou para sua viúva, Anna. Conta ele que, quando foi a Nova York e leu os textos pela primeira vez, sentiu uma forte emoção. Para ele, Marilyn deixava de ser aquela “loura idiota”. Emergia um ser humano ainda mais complexo e desolado. A fama, o dinheiro, o poder e o sexo não sanaram uma carência básica e profunda.
Lembro-me de que no poema que sobre ela escrevi ressaltava também isto: ela era irremediavelmente aquela órfã deixada ao desabrigo. Adotou o nome de Marilyn Monroe. Mas seu verdadeiro nome era Norma Jean.
E foi como Norma Jean que ela escreveu esses diários e como Norma Jean é que a encontraram numa cama — “nua e linda, linda e loira, linda e morta”.
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*Affonso Romano de Sant’Anna escreve quinzenalmente neste espaço
Fonte: Correio Braziliense online, 17/10/2010
Parabéns pelas belas palavras sobre essa Diva insubstituivel do cinema mundial. Veja meu site www.malustudio.com onde ela se faz presente.
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