Richard McBrien*
"Se a escolha é entre uma 'figura completamente menor,
um homem da sacristia e da sala de aula' – como Bento XVI –,
e 'um gigante do palco mundial' – como João Paulo II –,
a figura menor e mais tímida ganha todas as vezes.*"
A visita de Estado muito elogiada do Papa Bento XVI à Grã-Bretanha no mês passado seguiu de perto o 32º aniversário da eleição do Papa João Paulo II ao papado, no dia 16 de outubro de 1978. A visita proporcionou ainda mais uma oportunidade para se comparar e contrastar os estilos pessoal e papal dos dois homens.
Segundo o ilustre historiador da Igreja Eamon Duffy, no jornal Irish Times do início de setembro, "João Paulo II foi manifestamente um gigante do palco mundial. Sua história de vida foi uma luta titânica contra as duas maiores tiranias da Europa do século XX. E ele mesmo, um jogador-chave no colapso do império soviético".
"Pelo contrário", Duffy continuou, "o Papa Bento é uma figura completamente menor, um homem da sacristia e da sala de aula".
Duffy considera Bento XVI como "provavelmente mais inteligente e, certamente, melhor teólogo" do que João Paulo II, e "mais tímido".
Infelizmente, o Papa atual também é mais "desastrado e mal assessorado em suas tentativas de promover suas opiniões", com "antenas pobres para captar as prováveis percepções públicas de suas ações e declarações".
Duffy cita três exemplos flagrantes: o discurso em 2006 na Universidade de Regensburg, que inflamou grande parte do mundo islâmico; sua decisão no ano seguinte, contra a oposição de muitos, senão da maioria dos bispos da Igreja, de permitir o uso da antiga e irreformada Missa em latim, sem qualquer aprovação episcopal; e "seus desastrosos embora indubitavelmente bem-intencionados gestos conciliatórios" com relação ao bispo lefebvriano negacionista do Holocausto, Richard Williamson, em 2009.
Mesmo que a eleição do cardeal Joseph Ratzinger em abril de 2005 "não deu início à era da reação feroz que muitos temiam", tornou-se cada vez mais claro onde as reais simpatias do Papa Bento XVI se depositavam. Ou seja, sobre aqueles no Vaticano que querem minimizar as conquistas do Concílio Vaticano II e que desejam, ao mesmo tempo, enfatizar a continuidade do Concílio com as atitudes e ideias que dominaram o pontificado de Pio XII na década de 1940 e 1950.
É ainda mais notável, portanto, que o ponto alto religioso da recente visita de Bento XVI à Grã-Bretanha tenha sido a beatificação do cardeal John Henry Newman, o famoso convertido do anglicanismo ao catolicismo romano do século XIX.
No entanto, como Eamon Duffy indicou, os rótulos podem ser enganosos. Em termos de política interna da Igreja Católica de hoje, Newman – em claro contraste com o Papa Bento XVI – era um liberal. De fato, sua visão de uma Igreja saudável era, "em muitos aspectos, a antítese da visão do Papa Bento XVI".
Na verdade, ele era totalmente leal ao papado, mas também foi um oponente manifesto da definição da infalibilidade papal em 1870 – que ele considerava desnecessária e um fardo para as consciências. Ele era, ao mesmo tempo, um oponente vigoroso do ultramontanismo, que buscava centralizar o catolicismo de outros lugares – literalmente, além das montanhas – em Roma.
Newman deplorava o clericalismo (que o Papa Bento XVI gratificou por meio de suas nomeações e promoções na hierarquia), trabalhou duro para desenvolver um laicado educado e ativo (do qual os mais fortes aliados do Papa têm suspeitado profundamente) e defendeu uma maior liberdade para os teólogos dentro da Igreja (o que, mais uma vez, encontra pouco apoio neste pontificado).
Pode parecer estranho para alguns leitores desta coluna que, apesar de todas as provas em contrário, a nossa clara preferência continue sendo pelos estilos pessoal e papal adotados pelo Papa Bento XVI, ao invés dos de João Paulo II.
Aqueles que esperavam que Joseph Ratzinger não apenas levasse adiante as políticas de seu antecessor, mas também as expandisse de uma forma altamente agressiva, até militante, podem ter visto as suas esperanças mais caras se despedaçarem.
Ao mesmo tempo, aqueles que continuam considerando o papado de João Paulo II como normativo para qualquer outro pontificado, até mesmo ao ponto de se referirem a ele agora – sem qualquer autorização oficial – como "João Paulo II, o Grande", sentiram o ar saindo do balão do entusiasmo inicial, quando sua eventual canonização parecia quase uma certeza. "Santo Subito", proclamavam os cartazes em seu funeral.
Se a escolha é entre uma "figura completamente menor, um homem da sacristia e da sala de aula", por um lado, e "um gigante do palco mundial", por outro, a figura menor e mais tímida ganha todas as vezes.
O Papa Bento XVI tem tido projetos mais modestos para a Igreja.
________________________________________________________* A opinião é de Richard McBrien, sacerdote e professor da cátedra Crowley-O'Brien de teologia da Universidade de Notre Dame, em Indiana, EUA. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 11-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 14/10/2010
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