quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A missão do médico

Dioclécio Campos Júnior*

Ser médico é associar ciência e consciência para usar os melhores recursos em favor do bem-estar físico, mental e social das pessoas. É saber escutar queixas para historiar sofrimentos. Auscultar murmúrios para discernir ruídos. Apalpar estruturas corpóreas para comedir intervenções. Percutir superfícies para conhecer entranhas. Inspecionar semblantes para ler profundezas d’alma. Expandir sensibilidade para ouvir sentimentos.
Ser médico é juntar conhecimento e ação em benefício da vida saudável a que o cidadão tem direito. É compartir impressões diagnósticas para compatibilizar plano terapêutico. Revelar verdades prognósticas para ensejar elaboração mental do paciente sobre seu próprio estado. Dirimir as dúvidas nascidas da fragilidade orgânica. Pacificar as ondas de pânico derramadas pelo desespero familiar. Acolher a criatura ferida na interioridade do equilíbrio emocional.

"Ser médico é fundir saberes e sabedorias
no exercício de tão antiga
quanto nobre profissão.
 É ter o olhar sereno
que transmite energia vivificante."

Ser médico é colocar experiência e intuição a serviço de ser humano abalado por doença que lhe esvazia a sensação de segurança existencial. É prover o melhor cuidado disponível em seu tempo e respectivo lugar. Defender a vida como valor supremo, mas respeitar a morte como desfecho natural de um ciclo biológico que se encerra. Mergulhar na diferenciação da especialidade médica sem renegar a formação integral que lhe dá sentido.
Ser médico é fundir saberes e sabedorias no exercício de tão antiga quanto nobre profissão. É ter o olhar sereno que transmite energia vivificante. Pulsar no ritmo intenso da luta contra o tempo sem perder de vista os limites inexoráveis de duração do ser. Valer-se de técnicas e equipamentos como preciosos avanços sem promovê-los à categoria de fins, mantendo-os na condição de meios que auxiliam e aprimoram a medicina, mas não a substituem.
Ser médico é aliar ética e bioética ao esforço diuturno de prevenir e curar, entendendo o indivíduo como expressão singular do coletivo humano que integra. É atender vítimas da negação de direito fundamental sem conivir com a injustiça. Situar o equilíbrio sanitário da espécie no âmbito da ecodependência, condicionante maior da saúde e da doença. Identificar peculiaridades ontológicas para não as confundir com consequências das iniquidades sociais.
Ser médico é combinar humanismo e estoicismo na medida necessária à percepção equilibrada da dor alheia para mitigá-la ou fazê-la desaparecer. É somar procedimentos e medicamentos em busca de efeitos capazes de eliminar etiologias danosas ao organismo e restabelecer funções reanimadoras do sopro vital. Regozijar-se com a conversão da tristeza em alegria, do choro em riso, da depressão em ânimo, do pálido em bem corado, da dor em prazer, do desespero em esperança, da hipotonia em dinamismo.
Ser médico é trabalhar o âmago espiritual do paciente, produto de culturas diversas, eivadas todas de peculiaridades comportamentais que atuam como mecanismos psicossomáticos, tanto da gênese quanto da cura de enfermidades.
Ser médico não é ser divino nem eterno. Apenas humano e terno.
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* Dioclécio Campos Júnior é professor titular da Universidade de Brasília. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro e mestrado e doutorado em Pediatria, ambos pela Universite Libre de Bruxelles.  Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Pediatria, atuando principalmente nos seguintes temas: vínculo mãe-filho, aleitamento materno, nutrição infantil, crescimento e desenvolvimento, desnutrição, estreptococcias, parasitologia, saúde pública e comunicação.
Fonte: http://www.unb.br 18/10/2010

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