sábado, 16 de outubro de 2010

A campanha e as reformas: reflexões sobre o silêncio

Mauro Santayana*

Charge da Internet

O exame da campanha presidencial deste ano é desolador. Não esperávamos, nem podíamos esperar, que houvesse o confronto entre titãs do pensamento político, em fase histórica de desânimo da inteligência, mas que, pelo menos, fossem tratadas as grandes questões institucionais do Estado. Estiveram ausentes do debate a reforma política, a regularização fundiária, a redistribuição dos tributos arrecadados e, sobre todas as questões, a restauração do pacto federativo.
Os dois candidatos parecem convencidos de que o Brasil é um país unitário, e que basta a vontade de quem ocupe a chefia da União para que as coisas se façam, como desejarem, em qualquer parte do território nacional. Como poderia explicar um singelo manual de lógica política, o titular da soberania é o cidadão, que se torna povo, ao somar-se aos conterrâneos mediante o voto e outras manifestações da vontade política: assim, o poder se ergue da base para o alto. “Só poderei fazer o que fizermos juntos”, disse Tancredo, quando se preparava para chefiar o Estado em nome da vontade nacional. Quando o verbo se desloca do plural para a primeira pessoa do singular, ou seja, quando o orador pretende mandar em súditos e vassalos, em lugar do compromisso de obedecer à vontade dos cidadãos, instintivamente balançamos os ombros na indiferença, ou ruminamos o protesto de nossa consciência.
A federação é a forma mais democrática de realização política e o modo mais eficiente de administrar o espaço nacional. É o sistema mais democrático do ato político, porque distribui o poder, de acordo com o pacto constitucional que se estabeleça entre as regiões historicamente diferenciadas, os estados e as comunidades capazes de autogoverno, os municípios. E é também o instrumento efetivo de moderar o poder central e inviabilizar a aspiração tirânica dos governantes.
A federação, de uma ou de outra forma, tem sido a vocação histórica do Brasil, imposta pela realidade geográfica. Os portugueses dividiram a administração em capitanias, que se relacionavam diretamente com a Coroa, salvo os casos excepcionais em que intervinham os vice-reis. A República, concordam muitos historiadores, foi imposição federativa, não rebeldia antimonárquica. A monarquia caiu, porque insistiu no poder centralizado. Desde a independência, a ideia federativa se associou à postulação republicana, porque os áulicos não admitiam a autonomia das províncias.
Os 121 anos de República têm sido a crônica da erosão continuada do pacto federativo de 1891. A primeira mutilação da estrutura federal a República ocorreu em 1926, com a reforma da Constituição, de iniciativa do governo Artur Bernardes. Acossado pelos adversários, governando sob estado de sítio, o presidente teve o propósito de defender o governo, com a assessoria de um brilhante advogado, seu procurador da Justiça, Sobral Pinto. Coube a Sobral, que tinha 33 anos, a ideia da centralização do poder presidencial, da redução da autonomia dos estados, e dos limites ao habeas corpus.
A complexidade do Estado moderno não recomenda o retorno à autonomia original das unidades federadas, mas há projetos parlamentares em andamento que permitem a ampliação das prerrogativas dos estados, como as do direito de legislação penal própria, vedada pela primeira Constituição, que só permitia poder de legislação adjetiva, e de reaquisição do poder de criar tributos internos. Sobre isso, nada disseram os candidatos, que ficaram no varejo pautado pela atual escassez de ideias, quando não pela triste banalidade de acusações frouxas e recíprocas.
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* Jornalista. O príncipe dos analistas políticos brasileiros, segundo o teólogo Leonardo Boff (06/04/2010-Adital)
Fonte: JB online, 13/10/2010

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