Alberto Carlos Almeida*
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Prezado leitor, a minha ousadia me leva a lhe solicitar que leia este artigo somente no dia 1º. Afinal, é um artigo que faz a viagem de volta para o futuro: ele trata do resultado da eleição do dia 31. De toda sorte, se o leitor quiser ler hoje, sem problema, claro, a derrota de Serra, como diria Nelson Rodrigues, estava escrita havia 6 mil anos antes do nada.
Vale a pena, diante da derrota humilhante sofrida pelo Serra bem preparado, ministro do Planejamento e da Saúde, senador, governador de São Paulo, para uma Dilma que nunca disputara uma eleição, sem experiência, capaz de repetir mais de 20 vezes no mesmo debate a expressão "no que se refere a", vale a pena fazer uma paráfrase, desta vez de um de nossos maiores escritores, o mineiro Guimarães Rosa: chegou a hora e vez de Aécio Neves.
O PSDB precisa se despaulistizar com urgência. 2010 é a terceira eleição presidencial consecutiva na qual o PSDB é derrotado por Lula com candidatos paulistas, aliás, tipicamente paulistas. Digo isso porque Fernando Henrique não foi um produto exclusivo do ambiente político de São Paulo. O principal emblema desse fato é o sotaque de Fernando Henrique. A derrota de Serra em 2002, Geraldo Alckmin em 2006 e Serra novamente em 2010 é também e principalmente a derrota do PSDB de São Paulo. O Brasil não quer ser governado por um peessedebista tipicamente paulista, em particular se for Serra e seu entourage político, seja isso bom ou ruim, não importa.
A decisão de lançar Serra candidato a presidente foi uma decisão redondamente errada. Desde 2009 a Executiva do PSDB teve acesso aos dados que agora são publicados nesta coluna. O Instituto Análise começou a perguntar, em abril de 2009, qual era a intenção de voto em Serra e em Dilma no segundo turno mostrando uma cartela de fotos para os entrevistados (para efeito deste artigo são apresentados desenhos, porém, na pesquisa foram fotos mesmo). No ato da pergunta afirmava-se para os entrevistados que Dilma tinha apoio de Lula e Serra era candidato a presidente tendo Aécio como seu vice. A série de um ano mostra que seria muito difícil para Serra derrotar Dilma, mesmo que Serra tivesse Aécio como vice.
Foi com base nessa simulação de segundo turno, a simulação das fotinhos, que afirmei para meus clientes com mais de um ano de antecedência que Dilma derrotaria Serra. Creio que mesmo se o candidato fosse Aécio o destino desta eleição não teria sido diferente, o PSDB acabaria perdendo. Porém, há uma enorme diferença entre perder com Serra e perder com Aécio. Serra tem 68 anos, enquanto Aécio tem 50. Caso Serra dispute a próxima campanha presidencial, poderá utilizar o jingle de Ulisses Guimarães na campanha de 1989: bote fé no velhinho que o velhinho é demais, bote fé no velhinho que ele sabe o que faz.
Serra formou sua cabeça política nos anos 1960 e isso deixou sequelas cepalinas e esquerdistas: ele defende que haja intervenção no Banco Central, não defende de forma convincente a privatização, acredita que o governo tem que melhorar a vida das pessoas em todos os aspectos, o assim chamado ativismo governamental, em suma, Serra poderia ser colocado, com facilidade, em termos de política econômica à esquerda de Antônio Palocci do PT. Aécio, jamais.
A campanha de Serra foi vexatória porque não existe nada menos adequado para fazer oposição a um governo de esquerda do que um oposicionista também de esquerda. A campanha de Serra foi uma campanha sem criatividade, envelhecida, que não aproveitou o caráter vibrante da sociedade brasileira. Uma campanha que começou prometendo mutirões da saúde para cirurgias de varizes, próstata e catarata, passou pela promessa dos 400 quilômetros de metrô nas cidades grandes brasileiras e acabou prometendo o 13º para o Bolsa Família, aumento de R$ 600 de salário mínimo e aumento real de 10% para os aposentados. Em suma, uma campanha sem rumo.
A campanha de Serra foi uma campanha sem rumo porque ele é hoje uma figura fora de lugar. Ele não representa nem a esquerda, que é o PT e tem políticos de sobra, nem a direita, que defende que o Estado não tutele os indivíduos. Aliás, o principal ícone dessa agenda direitista é a redução de impostos. Em nenhum momento da campanha de 2010 Serra defendeu de forma tão consistente como convincente a redução de impostos. Não fez nem poderia ter feito. Quando o Senado Federal rejeitou a CPMF, Serra e Lula, juntos em seu esquerdismo atávico, trabalharam duro para que a CPMF fosse mantida. Ambos, o presidente e o governador do Estado mais importante do país, foram derrotados pela vibrante sociedade brasileira.
A decisão do PSDB de lançar Serra candidato em 2010 foi baseada no autoengano: apesar de todas as evidências do favoritismo de um governo muito bem avaliado, foram elencados inúmeros argumentos irrelevantes que sustentariam a crença em uma eventual vitória de Serra. O principal argumento do autoengano foi o confronto de biografias. Os serristas estavam genuinamente persuadidos de que a fraqueza de Dilma, completamente inexperiente e despreparada, quando confrontada com a elevadíssima qualificação de Serra, seria suficiente para derrotar o governo. O próprio Serra não cansou de defender essa visão. Desde que Dilma ultrapassou Serra nas intenções de voto, não houve nenhuma reação do candidato do PSDB. A campanha, consideradas exclusivamente as propagandas oficiais dos candidatos, em nenhum momento levou Serra a melhorar a sua situação na intenção de votos.
A queda de Dilma no primeiro turno não se deveu à campanha de Serra, mas ao escândalo Erenice e à existência de Marina. A campanha de Serra foi incapaz de persuadir os eleitores de Dilma a deixar de votar na candidata de Lula e votar em Serra. A campanha de Serra não deu argumentos para que isso ocorresse. Tanto isso é verdade, e aqui me permito mais uma ousadia de viajar de volta para o futuro, que a proporção de Serra no segundo turno de 2010 ficou só um pouco maior do que os 41,6% de votos que Geraldo Alckmin obteve no primeiro turno de 2006. Não surpreende: o marqueteiro foi o mesmo.
Eis aí outro episódio incompreensível da campanha de Serra. Imagino que ele seja um defensor do mérito. Pois bem, pensar assim não nos permite entender por que Serra contratou para sua campanha o mesmo marqueteiro que foi derrotado por João Santana (o marqueteiro de Lula na eleição passada e de Dilma agora) em 2006. O que podemos dizer agora é que o marqueteiro de Serra em 2010 e de Alckmin em 2006 se especializou em perder eleição presidencial. Aliás, 2010 foi uma eleição que uniu uma dupla de derrotados: o Serra derrotado de 2002 com seu marqueteiro derrotado de 2006. Nada mais contrário ao mérito. É por isso que é a hora e vez de Aécio Neves.
Os erros de marketing da campanha de Serra foram inúmeros: não defendeu a redução de impostos, não fez um discurso claro e alternativo ao PT de melhoria da vida dos pobres, não defendeu a privatização dos aeroportos como forma de dar acesso aos voos à maioria da população brasileira, assim como ocorreu com o celular, ficou tratando de temas provincianos de ensino técnico profissionalizante e duas professoras por sala de aula.
É surpreendente que a campanha de Serra, ele e seu marqueteiro não tenham se preparado para lidar com o tema das privatizações. Em 2006 foi assim que o PT atacou Alckmin no segundo turno e, portanto, era previsível que seria utilizado novamente. A resposta de Serra foi também "acusar" o PT de fazer privatizações. Inacreditável! Além disso tudo, o marketing da campanha de Serra não apresentou um projeto para o Brasil. Talvez Serra nunca o tenha tido. Ele tem, sim, um projeto para São Paulo. Não é suficiente para ser presidente. Muito estranho vindo de quem se preparou a vida inteira para isso.
Com Aécio Neves não teríamos nem candidato derrotado nem marqueteiro derrotado. Teríamos um político agregador que, por isso, já no primeiro turno, teria provavelmente o apoio de parte do PSB e do PMDB. Dizia-se à época que Ciro Gomes seria o vice de Aécio. Ainda que não fosse Ciro, havia a chance de que fosse alguém importante do PSB, o que dividira a base do governo. Serra teve o Índio da Costa como vice. Choveu no molhado: trouxe o DEM, que já estava com ele. Aécio cunhou o que considero ter sido a melhor frase do segundo turno: "Quem for contra as privatizações que jogue no lixo o seu celular". Serra não usou essa frase, preferiu cunhar outra que se referia ao orelhão. Compreensível, Serra é dos anos 1960, Aécio não. Os brasileiros jovens não sabem o que é um orelhão, mas sabem perfeitamente o que é um celular.
O PSDB não teve coragem para se livrar de Serra em 2010 e deixou o eleitorado fazer o serviço. Uma pena. Caso Aécio tivesse enfrentado Dilma agora, e caso o resultado de vitória do governo tivesse se confirmado, o PSDB teria colocado nacionalmente o nome de seu candidato a presidente em 2014. Adicionalmente, é possível que a Marina não tivesse crescido. O fenômeno de crescimento de Marina se deveu a um fator importante, o voto dos jovens. As pessoas de 18 a 30 anos que decidiram no primeiro turno abandonar Dilma não caminharam para Serra, mas sim para Marina. Tendo a acreditar que com Aécio na disputa isso não teria acontecido.
Apenas lamento que o PSDB tenha tomado a decisão de lançar Serra baseado no autoengano. Naquilo que um importante escritor americano chamou de mentira vital. Aécio não cometeu esse erro. Eis mais um de seus méritos. Aécio aceitou a força de verdades simples. Assim, é muito provável que Aécio tenha previsto, baseado em dados científicos, isto é, na avassaladora avaliação positiva do governo Lula, que eram mínimas as chances de Serra derrotar Dilma. Justamente por isso Aécio não quis ser o vice de Serra. Político sem mandato é o mesmo que empresário sem empresa.
Como político Aécio é muito superior a Serra. O PSDB perdeu a chance de, na pior das hipóteses, lançar em 2010 aquele que virá a ser seu candidato a presidente em 2014. Se isso tivesse sido feito, o nome de Aécio seria hoje nacionalmente reconhecido. Ele seria o líder inconteste da oposição a Dilma. Em 2014, após o fenômeno Marina, o PSDB terá que fazer um enorme esforço para tornar Aécio um nome nacional; conseguirá, mas será bem mais difícil agora que Aécio não foi candidato em 2010. Repito, porém, que é a hora e vez de Aécio Neves. Oxalá Aécio conduza o partido para a construção de uma identidade clara. Identidade que deverá levar em conta a principal obra do PSDB: o governo Fernando Henrique. Quanto a Serra, "hasta la vista, baby".
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*Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida": menos Imposto, mais Consumo".
E-mail: alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida
Fonte: Valor Econômico online, 29/10/2010
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