Os terapeutas australianos
Cheryl White e David Denborough rodam o mundo
para atender comunidades que passaram por traumas.
Aqui, contam como ajudariam
os mineiros resgatados no Chile
Eduardo Anizelli/Folhapress
Cheryl White e David Denborough, em workshop ontem em São Paulo
A psicóloga Cheryl White e o assistente social David Denborough trabalham com comunidades que viveram situações de trauma. Sua abordagem terapêutica é a prática narrativa coletiva.
Eles usam essa técnica pouco convencional de forma culturalmente adaptada a cada comunidade. Já deram ajuda terapêutica a iraquianos vítimas de guerra, palestinos que vivem em áreas de ocupação, meninos-soldados sudaneses, refugiados no Sri Lanka e sobreviventes do tsunami, entre outros.
White e Denborough rejeitam a classificação "estresse pós-traumático", que volta à tona em situações como a vivida pelos mineiros no Chile. Em São Paulo para um workshop no Instituto de Terapia Família, Casal, Comunidade e Indivíduo, os "terapeutas narrativos" australianos falam sobre o recente caso no Chile e de como sua técnica poderia ajudá-los.
Folha - O que acham que pode acontecer com os mineiros do Chile agora?
David Denborough - Há muitas formas de encarar esses homens que ficaram soterrados. Dependendo dos seus pressupostos, você molda o jeito que vai ouvir os problemas deles. O que muitas pessoas estão buscando ouvir são sintomas de um distúrbio em particular. Há um desejo de se chegar a um diagnóstico e encontrar um tratamento. No nosso trabalho, a orientação não é essa. O que faríamos, se nos encontrássemos com os mineiros, seria deixá-los contar como passaram esse tempo debaixo da terra, como mantiveram o humor, quem era o sujeito que contava piadas para aliviar a situação.
Como isso pode ajudá-los a lidar com as sequelas do trauma que viveram?
Cheryl White - Procurando as habilidades, os valores que esses mineiros usaram para sobreviver e podem usar agora. A forma de trazer isso à tona é respeitar suas particularidades culturais. Em uma cultura masculina, não é normal os homens falarem de seus sentimentos. Então, deve-se perguntar a eles sobre as ações práticas que tomaram para sobreviver. A história linear dos acontecimentos. Depois, podemos pedir que eles contem quais valores, habilidades pessoais, lembranças familiares estiveram envolvidas nessas ações. Assim, a experiência ganha significado. Finalmente, propor formas de eles compartilharem essa experiência, de usar o que aprenderam com ela para ajudar outras pessoas, sem vitimização nem negação do sofrimento.
Nessa abordagem, como consideram o conceito de "estresse pós-traumático"?
Denborough - Achamos muito estranho que uma terminologia médica criada nos EUA seja exportada para qualquer situação de dificuldade. O termo é muito amplo. Pode trazer alívio para algumas pessoas, mas também pode vir com todo tipo de prescrição de remédios.
White - Já fizemos trabalhos com comunidades de refugiados, de sobreviventes do tsunami. Nessas tragédias, pessoas de culturas totalmente diferentes oferecem sua ajuda profissional. É louvável, mas talvez a ajuda oferecida não sirva para aquelas pessoas. Ouvimos sobreviventes do tsunami dizerem aos voluntários ocidentais: não queremos vocês, não acreditamos nisso que vocês estão falando. A prática narrativa coletiva é mais aplicável a essas situações. A psicoterapia individual não é aceita em muitas culturas, sem contar o fato de que simplesmente ela não é acessível a muitas comunidades.
Folha- O que é a prática narrativa coletiva?
Denborough - É promover coletivamente formas de reconhecer os efeitos da situação traumática. Ouvir duas histórias: a da situação específica e a do que as pessoas valorizaram, como responderam às dificuldades, que habilidades usaram para isso. A narrativa ajuda a organizar a experiência e a mudar o seu significado.
____________________REPORTAGEM POR IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO
FONTE: FOLHA ONLINE, 16/10/2010
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