quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"As autoridades do governo gostam de fazer as pessoas sofrerem"',

 Liu Xia, mulher do ativista chinês Lu Xiaobo, ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2010

Liu Xia, a mulher do ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Liu Xiaobo, foi autorizada a visitar seu marido no domingo, mas agora foi colocada sob prisão domiciliar. Em uma entrevista para a "Spiegel" antes do anúncio do prêmio, ela falou sobre a vida dele na prisão e disse que gostaria receber o prêmio em Oslo em nome dele.
Desde que o dissidente chinês preso Liu Xiaobo foi apontado como principal candidato ao Prêmio Nobel da Paz, sua mulher Liu Xia está sob os holofotes da mídia. Nos últimos dias ela deu várias entrevistas para publicações ocidentais, falando sobre o trabalho político de seu marido e sobre as condições que ele suporta na prisão na cidade de Jinzhou, onde ela o visita uma vez por mês por uma hora.A poeta e fotógrafa de 49 anos foi autorizada a ver seu marido no domingo, após ele tomar conhecimento de que tinha ganhado o prêmio, mas agora foi colocada sob prisão domiciliar, segundo organizações de direitos humanos. Ela não está autorizada a contatar a mídia ou seus amigos.
Poucos dias antes de o prêmio ser anunciado, a "Spiegel" se encontrou com Liu Xia em uma casa de chá próxima do Monumento do Milênio da China, em Pequim. A intelectual delicada, com seu distinto cabelo com corte curto espetado, fumava cigarros mentolados e ria facilmente durante a entrevista.
Ela disse para a "Spiegel" que queria viajar para Oslo para receber o prêmio em nome de seu marido. "Eu tenho um passaporte", ela diz. "Eu irei se me deixarem."

Spiegel: Seu marido é o primeiro chinês a receber o Prêmio Nobel da Paz. O que mudará
Liu Xia: Eu só posso citar o que os amigos de Xiaobo estão dizendo. Eles estão convencidos de que o prêmio é uma oportunidade para mudar todo o país.

Spiegel: E o que o prêmio representa para seu marido?
Liu: Eu espero que ajude a melhorar o tratamento que ele recebe na prisão.

Spiegel: A senhora assinou a "Carta 08", o manifesto pró-reforma de coautoria de seu marido?
Liu: Não. Eu não me envolvo politicamente. Eu me comporto como se vivesse em um mundo diferente. Nós discutimos política o mínimo possível em casa. Meu marido sabe que isso não me interessa.

Spiegel: Vocês nunca discutiram os riscos?
Liu: Sim, é claro. Nós pensávamos no que aconteceria se um de nós fosse para a prisão. Nós discutimos o que faríamos um pelo outro e o que não faríamos. Eu disse ao meu marido: eu não lutarei por você todo dia, mas prometo que visitarei você todo mês.

Spiegel: E agora?
Liu: Agora estou fazendo todas as coisas que realmente não queria. Ele provavelmente não consegue imaginar que não sou mais uma dona de casa, como ele me chamava brincando.

Spiegel: Seu marido está em uma prisão na província de Liaoning, o que representa uma grande distância para você viajar. Por que ele está cumprindo pena lá?
Liu: As autoridades do governo gostam de fazer as pessoas sofrerem. Faz parte da natureza delas. Quanto pior você se sente, melhor elas se sentem. É doentio.

Spiegel: Como está seu marido?
Liu: Seu estado de espírito é muito bom, mas ele tem problemas estomacais e possivelmente hepatite B. Eu cozinho para ele e envio leite em pó e pílulas de vitamina. Também estamos autorizados a escrever um para o outro, mas as cartas são censuradas.

Spiegel: Como é a vida dele na prisão?
Liu: Ele não precisa trabalhar. Ele lê -entre outras coisas- romances franceses e livros de história. A política é proibida, assim como jornais.

Spiegel: Ele precisa praticar autocrítica e frequentar aulas de política, como é comum nas prisões chinesas?
Liu: Não. Eles sabem que é inútil.

Spiegel: Você está sob vigilância?
Liu: Sim. Eu moro em um prédio de apartamentos ao lado do escritório da receita, minha antiga empregadora. A polícia possui um posto no portão, no norte do nosso pátio. Até o momento as autoridades têm sido cordiais e o tom não é tão brusco quanto costumava ser. Quando a União Europeia me convidou recentemente para participar de um evento, elas disseram: "Irmã, vamos conversar a respeito. Você realmente precisa ir?"

Spiegel: E qual foi sua resposta?
Liu: "É claro que vou, se vocês não me impedirem." Então elas disseram: "Então vá". Fora isso, eles me cumprimentam educadamente, me recordam para eu não esquecer meu guardachuva e enviam cartões de saudações aos meus pais nos feriados.

Spiegel: Mas seus movimentos não são restringidos?
Liu: A polícia frequentemente me segue. Certa vez, quando convidei alguns amigos para irem a um restaurante, nós nos sentamos em duas mesas, enquanto os policiais se sentaram em quatro mesas ao nosso redor. Minha vida não mudou. Meu marido e eu nunca pensamos no prêmio. Tudo isso parece muito irreal para mim.
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Entrevista conduzida por Andreas Lorenz.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2010/10/12/  

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