sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A crise do masculino. Como ser um novo modelo de homem

A masculinidade imposta
historicamente tem cura.
A chave: deixar de lado as etiquetas e
criar uma imagem própria
na qual compartilhar e sentir
não sejam sinônimos
de menos virilidade.

A reportagem é de Miriam Subirana e está publicada no jornal El País, 21-11-2010. A tradução é do Cepat.

A identidade masculina se viu influenciada pela reafirmação da mulher e da liberação homossexual, que questionaram o modelo tradicional de varão. Nas últimas décadas, alguns homens se feminizaram, ainda que seja muito mais as mulheres que se masculinizaram. A masculinidade foi ganhando terreno nos espaços, nas vidas e nas condutas de muitas mulheres. Uma masculinidade que nem sempre foi a melhor, já que tornou muitas mulheres mais duras e agressivas. Poderíamos afirmar que o paradigma masculino tradicional continua a estar presente em nossos espaços, em nossa vida privada e pública, em nossos países.
Existe uma masculinidade emocional e fisicamente saudável e integradora, necessária para construir um mundo melhor em todos os níveis. Entretanto, no mundo segue predominando uma masculinidade tóxica que se expressa nas guerras, violações, acidentes, mortes, condutas esportivas e sociais, atitudes sexuais, na corrupção, nos negócios desprovidos de ética, num comunismo imoral e na multiplicação dos vícios. Tudo isso, para quê? Seriam formas para esconder a angústia e o vazio existencial? Sem dúvida, isso influi em que vivamos relações insatisfatórias, condicionadas pelo lastro social, cultural e histórico que nos levou a um vazio interior.
Homens e mulheres buscam modelos masculinos alternativos ao modelo cultural imposto socialmente do que, durante séculos, significou ser homem.

A autêntica questão

“O que fazer com a bagagem de coragem e valentia
que tiveram que acumular para

estar à altura do papel real?”
(Marina Subirats)

Por medo de perder uma imagem social viril, muitos homens se isolam de suas próprias emoções. Centram-se na ação até que se tornam viciados no fazer, fazer e fazer. A ação chega a se converter em uma fuga de si mesmos. Para se reencontrar, o homem tem diante de si uma tarefa urgente: aceitar seu mundo de sentimentos e nem por isso se sentir menos homem. Robert Moore, doutor em psicologia e teólogo, e Douglas Gillette, fundador do Institute for World Spirituality de Chicago, dizem que chegamos a “pensar que os sentimentos, e em particular os nossos sentimentos, são obstáculos incômodos e inadequados para sermos homens”.
Felizmente, são cada vez mais as pessoas do gênero masculino que procuram se conectar com sua identidade livres dos condicionamentos externos e abrindo-se ao seu verdadeiro ser. Desta maneira, encaminham-se para a libertação do que durante milênios significou ser “homem” em seu sentido castrante e destrutivo.
A questão que se coloca é como alguém consegue se conectar com sua verdadeira identidade. Para viver uma vida emocionalmente inteligente, sem estar viciado no poder de dominar nem da ação, é bom parar e fazer introspecção, ou seja, olhar para dentro. É um olhar que busca o sentido e conecta com o essencial, aquilo para o qual vale a pena viver. Com esta finalidade, a prática da meditação e a busca de espaços de silêncio podem ser muito benéficas. No silêncio se aprende a arte de escutar, tão necessária para se relacionar e às vezes tão esquecida. Escutar o que se sente e deixar-se sentir. Escutar o que se quer ouvir e ouvi-lo. Ao meditar, se viaja ao encontro de si mesmo e se recupera o poder do ser.

O poder do ser

“Aqueles que desejam criar
um novo estado de coisas

devem compreender-se a si mesmos em
sua relação com o outro”
 (Krishnamurti)

A verdadeira identidade do homem está conectada com a essência da masculinidade que prevalece além dos modelos patriarcais impostos, além do que significou ser homem durante séculos. Podemos chamar esta essência de masculinidade eterna, na qual o homem vive todo o seu potencial em seu ser. Para ser homem não se necessita demonstrar, vencer ou triunfar. Muda sua visão e seu enfoque: em vez de competir com armas adquiridas, coopera com suas armas inatas, com seus talentos e valores, cultivando sua inteligência emocional e espiritual. Vive uma masculinidade madura, com raízes emocionais e espirituais próprias.
Recuperar o poder interno implica em ter um maior domínio de seu mundo interior e de suas faculdades, como são a mente, o intelecto, os condicionamentos e os hábitos. A prática do controle mental, do pensamento positivo e da meditação lhe ajudará a consegui-lo. Fortalecer valores como a tolerância, a aceitação e a flexibilidade lhe ajudará a viver em paz em tempos de turbulência e mudanças como os que vivemos. Qualquer fragilidade, dispersão, falta de enfoque e flutuação interna lhe roubará a energia necessária para sentir-se pleno. Libertar-se de qualquer aspecto que lhe faça sombra permitirá gozar de uma vida mais plena. Para superar uma debilidade é necessário aceitá-la sem vergonha, reconhecê-la com sinceridade, entender por que está aí e começar a trabalhar o valor ou a fortaleza que contra-arreste essa fragilidade e o ajude a vencê-la.

A nova hombridade

“É uma masculinidade sustentada na coragem do espírito e
do compromisso e

na valentia da compaixão”
(Sergio Sinay)

Não se trata simplesmente de passar de um modelo machista a ser um homem politicamente correto que limpa a casa, cuida dos filhos, é louvado pela esposa e apoiado pela sociedade. A transformação necessária é mais profunda, mas de raiz. Implica recolocar-se os valores, as atitudes e a conduta. É necessário reformular as crenças sobre o que é ser homem.
Fundamentados em seu poder interior, os homens mudarão os mandatos que configuram a identidade de gênero em nossa cultura. Enquanto não se transformarem no mundo do trabalho também não haverá espaço para a compaixão, a fraternidade, a transcendência, a espiritualidade, o humanismo e um espaço para a alteridade, a condição de ser outro.
Com auto-estima, assentado em seu valor interior, o homem pode ser sem necessidade de impor, forçar nem pressionar. Esta é a condição imprescindível para o encontro com o outro. Aprender a nos relacionar sem nos causar danos, a nos amar sem nos amarrar, a ser cúmplices recuperando e preservando a nossa identidade original e eterna, a experimentar a unidade na diversidade. Esta é a minha proposta de transformação integral para que a harmonia nas relações seja possível.
Quando um homem aprende a se ver a si mesmo na integridade de seu ser, é amoroso e sabe amar. A partir dessa consciência, vai ao encontro do outro partindo de um lugar diferente: não a partir do conquistador que foge da entrega e da intimidade sentimental, mas a partir do ser aberto e compreensivo que sabe comprometer-se com sinceridade. Para ele, o compromisso não significa atadura, mas complementaridade e enriquecimento. Sabe ter ao lado uma mulher como pessoa com os mesmos direitos, obrigações e necessidades que ele, sem invejar suas conquistas profissionais, sua inteligência ou sua criatividade.
Reconhece que ser varão não é sinônimo de ser mais inteligente, mais forte nem mais poderoso. Está consciente de que o poder não se perde quando é compartilhado; que as decisões assumidas com outros são mais fáceis de serem tomadas; que compartilhar o cuidado dos filhos é fundamental para o seu papel de pai; que ser frio não o torna mais viril; que os homens se expressam e choram... e não acontece nada.
Para chegar a desfrutar da complementaridade que harmoniza homens e mulheres, e estes entre si, temos que empreender uma tarefa conjunta se o que desejamos é conseguir uma transformação profunda, mudando o ponto de partida e o eixo a partir do qual olhamos e percebemos a realidade. Assim poderemos despojar-nos do peso que arrastamos para ver o futuro com visão renovada. A recuperação de nossa identidade autêntica passa pela redescoberta de valores como o amor, a paz, a sinceridade, a empatia, a escuta, e pelo despojo de todos os estereótipos que nos afastam da possibilidade de conseguir harmonia e plenitude.
Desta maneira, os homens de hoje serão referências para as novas gerações como exemplos de coragem com coração, de empatia e escuta, de entrega e serviço; serão guias que oferecem ferramentas para um modelo de mundo desejável e uma participação pedagógica nessa transformação. Pais que oferecem uma referência válida às suas filhas na busca de um companheiro. Modelos válidos de homem para que seus filhos cresçam livres de condicionantes por conta de seu sexo e contribuam para a construção de um mundo mais saudável, desintoxicado da masculinidade machista.

Reconstruir a sua própria imagem

“O conceito de si mesmo é o destino. O perigo é que nos tornemos prisioneiros de nossa imagem negativa, que permitamos que ela dite as nossas ações”. Nesta frase de Nathaniel Branden se pode encontrar uma chave para se sair da masculinidade imposta historicamente: reconstruir sua própria imagem. Uma imagem de si mesmo independente dos estereótipos culturais de gênero. Isso implica desaprender o aprendido. Deixar de lado seus personagens, suas etiquetas, o que se espera de você. Assim, você clareia o seu caminho. Consiste em desaprender, soltar, conhecer e construir. Cada homem tem que saber o que está bem ou o que está mal para ele. O que o aproxima da plenitude e o que o esvazia. O que o conecta com seu ser e o que o desconecta do essencial. Ter seus próprios critérios de valor e, a partir daí, valorizar-se. Valorizar-se não apenas pelo que acontece em seu mundo sentimental ou de trabalho, mas pelo que acontece na totalidade de seu mundo. Ter uma imagem completa do ser. Trata-se de conhecer a masculinidade emocionalmente madura e suas qualidades inatas, conectar-se com elas e sê-las, vivê-las para compartilhá-las. Reencontrar seu eixo, sua coluna vertebral, em si e não buscá-lo no outro. Assim reconstrói sua própria imagem na essência de seu ser além de identidades limitadas pela questão de gênero.
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Fonte: IHU online, 26/11/2010
Imagens da Internet

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