Joaquim Zailton Bueno Motta *
Pessoalmente e pelas mensagens virtuais, tenho a chance de receber elogios e críticas sobre esses artigos publicados na coluna Sexualidade há quase onze anos. Alguns textos passam quase despercebidos, raras pessoas a eles se referem. Outros incomodam mais, provocando os mais diversos comentários e reações.
Na semana passada, instiguei vários leitores e amigos, com o primeiro artigo sobre a relíquia que me foi presenteada por Sonia Salgado Marconi. Algumas questões e sugestões eu compartilho com vocês aqui hoje.
Vamos mais uma vez aproveitar textualmente algumas frases para estender o raciocínio sobre o que representaram no passado, quando foram publicadas, e o que significam hoje. Essa edição de Feminal é de 1929, relembro. Também levaremos em conta os equivalentes embrionários da libertação feminina, o ovo da serpente não peçonhenta, alguns tópicos diretos ou subliminares que tentaremos pescar nos trechos, os quais já indicavam que o processo feminista germinava. E algumas observações sobre certos autores que podem parecer nomes ficcionais.
O Conde de Sabugosa, vice-rei do Brasil em meados do século 18, nobre erudito e bem-humorado, escreveu: “O ciume tem sempre uma influencia capital na alma da mulher que o sente. Às que são más, transforma-as em féras. Às que são bôas, transfigura-as em martyres”. Monteiro Lobato se inspirou nessa personagem histórica quando criou o Visconde de Sabugosa, a nobreza e a erudição de um vice-conde personificado em um sabugo de milho... Nos dias atuais, a mulher, quanto mais ciumenta, mesmo que não se configure com ferocidade destruidora nem tendência à autoflagelação, ainda sofre intensamente bem como promove muito sofrimento.
“O ciume tem sempre uma influencia capital
na alma da mulher que o sente.
Às que são más,
transforma-as em féras.
Às que são bôas,
transfigura-as em martyres”.
(Conde de Sabugosa, vice-rei do Brasil )
Octave Feuille, dramaturgo e escritor do idealismo francês do século 19, autor de O Romance de um Jovem Pobre, era muito lido pelas mulheres. Dele foi selecionado: “Há para as mulheres uma juventude eterna, que se chama graça”. Vejam que ele já seduzia suas leitoras com o charme do rejuvenescimento... A ditadura da beleza vige em nosso tempo e parece cada vez mais exigente, sugerindo um futuro estressante para as mulheres.
Júlio Dantas, intelectual português, o teatrólogo que escreveu A Ceia dos Cardeais, apresentada em Lisboa no início do século 20, que ganhou depois versão brasileira com Raul Cortez, ponderou: “As mulheres conhecem sempre, muito antes de nós, a natureza dos sentimentos que em nós despertam”. Sem a autonomia e a independência que vão paulatinamente conquistando na vida de hoje, as mulheres eram natural e evidentemente afetivas. Os novos tempos de vida independente e autônoma não deveriam por em risco essa capacidade sentimental da alma da mulher.
Olympe de Gourges, uma pioneira do feminismo, viveu no século 18 na França (foi guilhotinada em 1793, com 45 anos). Uma das poucas autoras escolhidas da coletânea (a grande maioria é masculina), ela nos legou: “A mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ella deve ter, igualmente, o direito de subir à tribuna”. Essa expressão germinal do fundamento feminista, por incrível que pareça, tem significação prática na atualidade. Se a mulher ocupa um posto profissional até então ocupado pelo homem, deveria receber o mesmo dinheiro que era pago a ele. Infelizmente, ainda observamos alguns absurdos jacobinos.
Um pouco antes, ainda no século 17, o escritor classicista inglês John Milton, autor do conhecido poema épico Paraíso Perdido, ironizou: “A mulher é um bello defeito da natureza”. O anedotário que renova e avoluma as gozações machistas com a mulher é repleto desse tipo de sarcasmo há muitos séculos. Hoje em dia, felizmente, efetiva-se apenas na brincadeira, pois os poderes em geral tendem a ser compartilhados, no mundo esclarecido e democrático.
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Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
Fonte: Correio Popular online, 20/11/2010
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