segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Palhaços, bruxas e democracia

MOISÉS NAÍM*


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Os eleitorados estão cansados dos políticos tradicionais
e dispostos a eleger quem quer que simbolize mudança
ou bofetada nos poderosos

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Francisco Everardo Oliveira Silva recebeu o maior número de votos nas recentes eleições legislativas brasileiras. Nos Estados Unidos, Christine O'Donnell era completamente desconhecida, mas derrotou o candidato oficial do Partido Republicano nas primárias para a disputa de uma vaga no Senado pelo Estado de Delaware.
Terminou derrotada na eleição geral, mas seu sucesso diante de um veterano líder republicano atraiu a atenção.
Antes de se tornarem surpresas no mundo da política, Oliveira Silva trabalhou como palhaço, e O'Donnell era uma jovem desempregada "envolvida em feitiçaria", que declarou sua oposição à masturbação e à teoria evolutiva darwinista. Os dois servem como exemplos ilustrativos de uma tendência mundial: novatos que subvertem a ordem estabelecida.
O'Donnell e muitos outros candidatos heterodoxos como ela, em todo o mundo, demonstram que Tiririca não é, de forma alguma, exclusividade brasileira.
É algo que está acontecendo em toda parte: os eleitorados estão cansados dos políticos tradicionais e dispostos a eleger quem quer que simbolize mudança radical ou uma bofetada nos poderosos. No Canadá, Rob Ford acaba de ser eleito prefeito de Toronto.


Os problemas que teve com a lei no passado levaram a oposição a atacá-lo com faixas que diziam "para prefeito, vote em um bêbado racista que espanca a mulher". Ford venceu por vasta maioria.
Na Itália, o comediante Beppe Grillo, cujas críticas a políticos de todos os matizes ideológicos fizeram dele um astro, lota todos os auditórios em que se apresenta e mantém o blog mais popular do país.
Na Espanha, Belén Esteban, uma estridente apresentadora de TV que revela segredos pessoais diante das câmeras, pode liderar a terceira maior força política do país nas eleições nacionais de 2012, de acordo com uma pesquisa.
O movimento Tea Party, os partidos políticos ultranacionalistas europeus e candidatos novatos como os mencionados, que em toda parte vêm derrotando lideranças estabelecidas, são manifestações de uma fome de mudança.
"Que se vayan todos!" foi o lema adotado por grande número de argentinos alguns anos atrás, quando seu país foi devastado por uma crise financeira e cinco presidentes tomaram posse e foram depostos em prazo de algumas semanas.
O mesmo sentimento, e até o mesmo lema, traduzido, pode ser ouvido da Islândia à Inglaterra, ou nas ruas de Paris e Bangcoc, além de em todo o território dos EUA.

"Hoje, uma mistura poderosa alimenta
 a raiva dos eleitores.
A crise econômica é um fator óbvio,
e seu efeito é amplificado pelo
sentimento de injustiça que surge quando
os lucros dos bancos disparam e
empregos desaparecem."


Na Itália, o famoso escândalo de corrupção investigado pela Operação Mãos Limpas também deflagrou intensa ira popular, que levou à extinção dos partidos políticos tradicionais. O caso serviu como prenúncio para muitas outras operações de combate à corrupção em todo o mundo, que conduziram ao poder políticos que prometiam "guerra à corrupção".
Silvio Berlusconi, Hugo Chávez e Vladimir Putin se beneficiaram dessa tendência. Conhecemos as consequências.
Hoje, uma mistura poderosa alimenta a raiva dos eleitores. A crise econômica é um fator óbvio, e seu efeito é amplificado pelo sentimento de injustiça que surge quando os lucros dos bancos disparam e empregos desaparecem.
A proximidade também contribui para a impaciência dos eleitores diante dos políticos tradicionais. Novas ferramentas (Twitter, YouTube etc.) aproximam os poderosos -e suas contradições, erros e vidas pessoais- dos eleitores.
Não muita gente seria capaz de sobreviver incólume ao constante -e ocasionalmente injusto- escrutínio de todas as suas ações, ocasionalmente remontando aos tempos de escola. A pessoa que escapa ilesa desse tipo de escrutínio certamente decepcionará.
Se combinarmos tudo isso a uma má economia, não surpreende que os eleitorados estejam sequiosos por mudança. Qualquer mudança.
Em alguns países, essa avidez gera líderes melhores e democracia mais forte. Em outros, leva ao poder líderes que usam a democracia para solapar o sistema de dentro para fora.
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Tradução de PAULO MIGLIACCI
MOISÉS NAÍM é o principal colunista internacional do "El País" e "senior associate" do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
Fonte: Folha online, 15/11/2010
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