‘A intransigência é desumana e imoral’.
Figura do catolicismo francês, o jesuíta e filósofo Paul Valadier (foto) acaba de publicar um livro precioso "La part des choses, intransigeance et compromis" (Lethielleux DDB), onde ele descreve uma plataforma para um compromisso, precisamente no campo moral e religioso.
Em entrevista concedida a Claire Legros e publicada pela página eletrônica da revista La Vie, 23-11-2010, o filósofo analisa a mudança do discurso do papa sobre o preservativo.
A tradução é da IHU On-Line.
Eis a entrevista.
Como o senhor reage ao discurso de Bento XVI?
Em primeiro lugar, estou surpreso pelo tumulto midiático que uma pequena frase propiciou. Esta reação mostra como as nossas sociedades necessitam de uma espécie de magistério moral. Atacamos o papa e, ao mesmo tempo, sua palavra é muito escutada. Enquanto que na tradição da Igreja, é a consciência de cada um que deve analisar as circunstâncias. Uma vez dito isto, a opinião pública de Bento XVI marca uma inflexão.
Por que ela é tão importante?
A posição de abertura de Bento XVI permite entender melhor o outro discurso da Igreja que ela afirma que a sexualidade é um ato importante na relação entre um homem e uma mulher, e que é preciso evitar a sua banalização. Isto será mais audível se não nos perdermos em questões secundárias.
"A intransigência é desumana e imoral,
ela desencoraja e produz naufrágios morais,
espirituais e religiosos."
Alguns falam de uma teologia do “mal menor”. Qual é a sua opinião?
Eu entendo o que eles querem dizer mas eu não aprecio esta noção que dá uma idéia negativa da moral. O preservativo pode ser um mal menor? Eu não acredito. Quando um casal utiliza o preservativo ou a pílula, o faz para viver uma sexualidade plena, para o bem do casal e da família. Eu não vejo que isso é um mal menor.
Bento XVI está para dar as costas para uma certa intransigência e adotar uma cultura do compromisso?
Sim, eu acredito que o Papa, confrontado com a realidade trágica da AIDS, optou pelo compromisso. A epidemia existe e é preciso fazer as contas com ela. A intransigência é desumana e imoral, ela desencoraja e produz naufrágios morais, espirituais e religiosos.
Dito isto, o compromisso deve sempre ser fonte de questionamento e de crítica. O preservativo não é um bem em si mesmo. Ele precisa do discernimento. A consciência moral implica um trabalho incessante sobre si mesma, suas motivações. Trata-se de um estado permanente de vigilância de si. A intransigência acredita ter feito isto quando ela prescreve as normas e requer a fidelidade aos princípios.
Para alguns, a Igreja deveria, pelo contrário, reafirmar um ideal moral. O que senhor pensa?
Constata-se que há uma corrente que exclui todo e qualquer compromisso e promove uma defesa de valores não negociáveis. Espanta-me que esta intransigência acontece sempre no campo das questões de sexualidade. Não vejo a mesma atitude radical nos outros campos. Por exemplo, a Igreja católica condena os males do capitalismo mas o tom não é o mesmo. Excomunga-se um médico brasileiro que pratica um aborto mas não se tem a mesma atitude com os fraudadores. Por que uma tal sede de absoluto num caso e não no outro? Os textos conciliares convocam a Igreja para uma atitude de diálogo e de conversação com a sociedade, abandonando a resistência ou a oposição à cultura contemporânea.
_____________________Fonte: IHU online, 24/11/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário