sábado, 20 de novembro de 2010

Nossos inimigos ou aliados

Aldo Colombo*

Um monge vivia no alto da montanha, em meio à solidão da floresta. Raramente descia ao povoado para buscar algumas coisas de estrita necessidade. Um habitante da aldeia quis saber se ele não se aborrecia ficar sozinho, na solidão, sem nada fazer. Com indulgência, garantiu que tinha muito trabalho. E explicou: tenho de domar dois falcões, treinar duas águias, manter quietos dois coelhos, vigiar uma serpente, carregar um burro e domesticar um leão.
Diante da perplexidade do interlocutor, o monge explicou: esses animais estão dentro de nós. Os dois falcões se lançam sobre tudo o que aparece, bom ou mau. São os meus olhos. As duas águias ferem e destroçam com suas garras; são minhas mãos. Os dois coelhos querem ir onde lhes agrada, nem sempre os melhores lugares; são meus pés. O mais difícil de vigiar é a serpente. Ela precisa estar presa numa jaula de 32 barras, sempre pronta a morder e envenenar quem está perto. É a língua. Já o burro é preguiçoso, obstinado e, muitas vezes, não quer cumprir suas obrigações. Este é meu corpo. Finalmente preciso domar o leão. Quer ser rei, é vaidoso, soberbo e orgulhoso. É o meu coração.

"Por outro lado,
o corpo é nosso companheiro de luta.
Precisamos dele e
um dia será nosso companheiro na glória.
É isto o que a Igreja ensina
com o dogma da Ressurreição."
Na teologia e na ascese cristã, o corpo nem sempre foi bem entendido. Atribuía-se a ele todo o mal, constantemente contrariando os anseios espirituais da alma. Na realidade, o corpo é nosso instrumento de trabalho, através dele nos comunicamos com os outros e com o mundo. A pessoa, como um todo, está inclinada ao mal. Em suas primeiras páginas, a Bíblia fala do “pecado original”. O corpo e os sentidos são mediações para o bem e para o mal. Assim pensava o monge da montanha. Ele queria direcionar os sentidos para o bem. Esta é a luta de todos e de cada dia.
Por outro lado, o corpo é nosso companheiro de luta. Precisamos dele e um dia será nosso companheiro na glória. É isto o que a Igreja ensina com o dogma da Ressurreição. Corpo e alma formam uma unidade maravilhosa. E assim podemos admirar as maravilhas da criação, podemos amar, podemos orientar nossa vida e fazer e refazer nossas escolhas. Nossos sentidos são mais maravilhosos do que qualquer invento humano. E eles estão, entre si, interligados. Nosso coração é uma esplêndida máquina que trabalha, sem parar, durante dezenas de anos. Nossos olhos percebem a infinita riqueza da criação e veem o rosto dos irmãos. Nosso olfato distingue milhares de perfumes. Nossos pés e nossas mãos deixam longe qualquer robô em suas habilidades. Nossa língua louva a Deus e pode estabelecer relações fraternas. Por fim, o coração, em sua simbologia, permite realizar o que existe de mais sublime na criação, o amor. Mas é bom lembrar. São capazes do pior e do melhor. São mediações. Somos nós que direcionamos sua atuação para o egoísmo ou para o amor, para o bem ou para o mal, para a realização ou para a frustração.
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* Frade capuchinho. Escritor. Colunista do Correio Riograndense.
Fonte: Correio Riograndense online, 17/11/2010

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