domingo, 21 de novembro de 2010

O primeiro homem que reuniu um buquê de flores

Rubem Alves*


Uma das alegrias que tenho é receber e-mails de jovens e velhos para dizer-me que aprenderam a gostar de ler lendo as coisas que escrevo. Acho que o segredo está numa coisa muito simples: escrevo curtinho... Pedir que uma pessoa que não gosta de ler leia um livro de 150 páginas! — a pura realidade física do livro é de desanimar. Mas quando o texto é curtinho, três páginas, dá pra ser lido em 15 minutos, então o não leitor se arrisca. Ele tem de ser fisgado nessas três páginas!
Jesus era de opinião de que poucas palavras têm mais poder que muitas. Ele disse: “Não é pelo muito falar que sereis ouvidos...” Minha versão dedicada a escritores: “Não é por escrever livros grossos que sereis amados e lidos”.
Através dos anos separei e guardei textos curtos que mexeram comigo: Bachelard, Cummings, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Albert Camus, Herman Hesse. Hoje quero compartilhar com vocês esses textos iluminados de Luiz Carlos Lisboa.

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“Um rosto é uma revelação repentina — ou pode ser um mistério que não se resolve. Tudo depende de saber amá-lo, de saber chegar perto e ficar, sem pressa ou interesse pessoal. Um rosto humano é sempre um desafio, um segredo, uma janela do espírito — tudo aquilo que nossos olhos distraídos permitem ver.”

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“Um monge trapista que escrevia livros — Thomas Merton — respondeu uma vez a alguém que lhe perguntou sobre o significado dessa coisa tão simples e maravilhosa que é estar atento: ‘Atenção perfeita é o estado de estar consciente daquilo que se está fazendo. Nada mais que isso’”.

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“A volta eterna às coisas simples acontece quando estamos de bem com o mundo e mergulhamos no curso da vida. O brilho de uma jarra, o canto de uma criança na casa vizinha, um cão que late na distância. De mãos dadas com a realidade, não somos a favor nem contra: as coisas existem e nós a amamos porque existem.”

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“Não importa se os dias estão azuis ou cobertos de nuvens, se as noites estão estreladas o use são negras e há relâmpagos no céu. O que vale é o tempo que faz dentro de mim, e o modo como vejo o mundo. Se ele é luminoso e calmo, estou aberto para a beleza, a brisa e a música.”

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“‘O primeiro homem que reuniu um buquê de flores tornou-se diferente do animal.’ A meditação japonesa, antiga de 2 mil anos, continua: ‘Tornou-se um homem porque exigiu da natureza alguma coisa mais que a satisfação de suas necessidades imediatas. Entrando no domínio da arte, reconhece a utilização do inútil’.”

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“Nas grandes cidades, onde o silêncio às vezes é possível nas madrugadas, há mais para ver e aprender do que geralmente se pensa. Quando muitos homens se reúnem em torno de interesses comuns, o que está em suas almas vem freqüentemente para fora, e dá forma aos objetos e às pessoas. A cidade grande é um imenso espelho, em que podemos ver nossos próprios rostos multiplicados muitas vezes. Quando nos servimos das cidades para entender o que somos, elas se tornam abençoadas.”

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“Como um pássaro que voa longe quando tentamos tocar suas asas, a beleza se esconde se queremos entendê-la a nosso lado. Com gestos delicados, atenção tranquila e amor pelo desconhecido, ela se chega a nós antes que possamos dar o primeiro passo na sua direção. O imprevisto é a sua marca, o vazio é o seu chamado, o silêncio é seu prenúncio.”
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* Rubem Alves é escritor, teólogo e educador.
Fonte: Correio Popular online, 21/11/2010

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