sábado, 27 de novembro de 2010

Diplomacia de passos em falso

Palácio do Itamaraty - Imagem da Internet
País ampliou presença no mundo,
mas ativismo do Itamaraty trouxe
poucos resultados concretos,
diz ex-ministro

Nas últimas milhagens da era Celso Amorim no Ministério das Relações Exteriores é tempo de avaliar os oito anos da diplomacia Lula, um período de ampliação da visibilidade brasileira no mundo, mas também de polêmicas que aterrissaram nos noticiários internacionais. A última delas aconteceu na semana passada, quando o Brasil se absteve de votar uma resolução das Nações Unidas que pedia o fim dos apedrejamentos e da perseguição a minorias étnicas, jornalistas e advogados no Irã.
André Dusek/AE
Chanceler Celso Amorim prega o ‘diálogo’
em vez de resoluções contra o Irã

Para o embaixador Sergio Silva do Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e ex-porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso, o País adota uma política de dois pesos e duas medidas em seu posicionamento internacional. “A teoria da não ingerência serve para o Irã, mas não para Honduras”, exemplifica. Atual diretor do Centro de Estudos Americanos da Faap e consultor internacional da Fiesp, Amaral admite que o País aumentou significativamente o volume de suas exportações para o mundo, mas considera que “não há nenhuma comprovação de que essa expansão tenha se dado por quaisquer acordos que assinamos”. A seguir, trechos da entrevista.

De FHC a Lula
“Houve linhas de continuidade, como a prioridade para a integração sul-americana, e linhas de descontinuidade, como uma valorização excessiva de afinidades ideológicas. E há uma diferença clara em relação a resultados: institucionalmente, o Mercosul fez poucos avanços no atual governo. O que existiu foi um maior ativismo diplomático. O Brasil teve uma presença maior no cenário internacional, o que é positivo. Temos hoje um peso muito maior do que tínhamos antes. O que é criticável é que esse ativismo não levou a resultados concretos. Nós não fizemos acordos comerciais relevantes e não conseguimos ver aprovadas as candidaturas que apresentamos em foros internacionais. Fizemos uma campanha enorme por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e o resultado agora é o possível apoio dos EUA à candidatura da Índia.

"A política externa tem que
refletir os valores e
os interesses da sociedade brasileira e
isso não está acontecendo
no caso do Irã,
por exemplo."
 
Dois pesos, duas medidas
“Um dos temas mais discutidos das relações internacionais é o equilíbrio entre dois princípios. Um deles é o da autodeterminação dos povos, pelo qual os assuntos internos de cada país cabem apenas a ele e não se justifica a ingerência externa. Outro, os direitos e princípios universais, como a democracia e os direitos humanos. A política externa tem que refletir os valores e os interesses da sociedade brasileira e isso não está acontecendo no caso do Irã, por exemplo. Se fôssemos mesmo adeptos da teoria da não ingerência, não se justificaria a presença que tivemos em Honduras, onde permitimos que um presidente deposto fizesse mobilização do terraço da Embaixada do Brasil. Aplicamos princípios de uma forma que vale para um e não vale para outro. O argumento de que em vez de votar resoluções da ONU é melhor manter um ‘diálogo’ pelos canais diplomáticos até agora não mostrou nenhum resultado concreto – nem no Irã nem em Cuba. A busca de uma presença maior no cenário internacional foi levada a um exagero e o País se engajou em uma agenda distante de nossos valores e interesses.

Progresso, pero no mucho
“Houve, de fato, uma expansão significativa do comércio exterior brasileiro, mas não há nenhuma comprovação de que tenha se dado por quaisquer acordos que assinamos. É preciso ver as taxas de crescimento das exportações não apenas em termos absolutos, mas relativos. Em relação à África, o porcentual de nosso comércio com aquele continente continuou entre 5% a 6% do total. Em relação ao Mercosul, se em números absolutos houve expansão positiva, em termos relativos elas caíram de 16% para 10%. E o problema não se restringe ao comércio: o bloco está paralisado porque não há uma visão de convergência com nossos vizinhos, nem avançaram como deveriam os projetos de integração da infraestrutura física.

A incógnita Dilma
“Não é o Itamaraty quem fixa a política externa, é o presidente da República. E estamos vindo de uma sequência de líderes com presença clara e forte na condução das relações internacionais: FHC e Lula. É ainda uma incógnita qual será o apetite da presidente Dilma Rousseff pelas questões internacionais. Após a definição de quem será o novo ministro das Relações Exteriores será possível começar a fazer essa avaliação.

Desafios urgentes
“O primeiro desafio que o próximo chanceler vai encontrar é restaurar o dinamismo do Mercosul – por um lado, eliminando as restrições que estão sendo colocadas às nossas exportações, sobretudo por parte da Argentina; por outro, considerando o problema da participação brasileira no PIB sul-americano, que cresceu significativamente em detrimento de outros países da região. Uma assimetria não se corrige pela tolerância com violações ao livre comércio, mas com programas que fomentem uma prosperidade compartilhada. O segundo desafio diz respeito à revisão da governança internacional de modo a permitir maior participação dos países em desenvolvimento.

"Temos que tomar medidas
para que nossos produtos industrializados
sejam mais competitivos – medidas internas,
como a redução do custo Brasil,
dos juros e da taxa de câmbio,
 e externas, com a abertura de novos mercados
via acordos comerciais."

Um mundo de oportunidades...
“O cenário internacional é muito favorável ao Brasil. Está havendo um processo de transferência de renda dos países ricos para os pobres – não todos, mas certamente o País está entre os favorecidos. E existe, do ponto de vista político, a percepção de que vários temas da agenda internacional não podem ser resolvidos senão mediante um processo decisório ampliado. É essa a experiência do G-20, é esse o sentido da reforma das Nações Unidas. E tudo isso abre espaço para o Brasil. O desafio é saber se estamos preparados para desempenhar um papel mais relevante, se temos uma contribuição efetiva a dar nessa reforma da governança mundial.

...e riscos para a indústria nacional
“O problema não é exportarmos tantas commodities, mas a proporção cada vez maior que elas ocupam na pauta brasileira. Temos que tomar medidas para que nossos produtos industrializados sejam mais competitivos – medidas internas, como a redução do custo Brasil, dos juros e da taxa de câmbio, e externas, com a abertura de novos mercados via acordos comerciais. Se, além de grandes exportadores agrícolas e de minério de ferro, passarmos a vender petróleo do pré-sal sem nos ocuparmos da indústria, podemos entrar em um processo de desindustrialização que comprometa o potencial econômico de primeiro plano do Brasil no mundo global.”
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REPORTAGEM POR IVAN MARSIGLIA
FONTE: Estadão online, 27/22/2010

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