MARCELO GLEISER*
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Devemos agradecer à Terra,
planeta único e vivo,
por nos permitir existir,
apesar dos nossos abusos
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ESSA SEMANA, É celebrado o Dia de Ação de Graças aqui nos EUA.
Historicamente, ele celebra a gratidão dos imigrantes ingleses que, se não fossem os nativos de Massachusetts, teriam morrido de fome. Na prática, comemora-se a colheita de fim de verão com muita comida, inclusive peru ao forno (consumido por 45 milhões de pessoas na data).
Mas, aqui na coluna, gostaria de dar graças mais globais. Começando com o Universo.
São umas 200 bilhões de galáxias, com umas 200 bilhões de estrelas cada. Boa fração tem planetas girando à sua volta, muitos deles com luas. Ao todo, são trilhões de mundos, cada um com sua história.
O que existe além do espaço? O que ocorreu antes do Big Bang? As medidas atuais (lembre-se que conhecemos apenas o que podemos medir; o resto pode ser divertido de comentar em conversas, mas é apenas especulação) indicam que o espaço é plano. Ou seja: continua para sempre, em todas as direções.
"Quando olhamos para os céus,
olhamos para o passado.
Quanto mais distante no espaço,
mais para trás no tempo.
O cosmo é uma máquina do tempo.
Quem disse que não existe
mágica em ciência?"
Temos certeza disso? Não. Tudo o que podemos dizer é que a porção do espaço que conseguimos medir, delimitada pela distância viajada pela luz desde o Big Bang, há 13,7 bilhões de anos, tem geometria plana ou muito próxima disso.
Imagine uma praia e o horizonte à distância. Sabemos que o mar não termina lá, apenas o que podemos ver dele. O mesmo com o espaço.
Sabemos que as leis da física e da química valem por todo o espaço.
Podemos dizer a composição de uma estrela sem irmos até lá. Podemos explicar como as primeiras galáxias nasceram há bilhões de anos. Quando olhamos para os céus, olhamos para o passado. Quanto mais distante no espaço, mais para trás no tempo. O cosmo é uma máquina do tempo. Quem disse que não existe mágica em ciência?
E o tal "começo"? Não sabemos, mas conhecemos a história cósmica até um trilionésimo de segundo após o "Bang". Nada mau para apenas 400 anos de ciência.
Sabemos também que não faz sentido perguntar o que ocorreu "antes" do Big Bang. Quem era você antes de nascer? Não existir significa não existir no tempo. Santo Agostinho já dizia, uns 16 séculos atrás: o tempo e o espaço surgiram com a criação. Ah, se as coisas fossem assim tão simples...
Hoje, alguns especulam que nosso cosmo é parte de uma entidade muito maior, o multiverso, que representa todas (ou quase?) possibilidades cósmicas. Em alguns, as leis da física podem ser diferentes e a vida como a conhecemos, seria impossível. Portanto, agradeça ao Universo, um dos poucos com propriedades certas para gerar estrelas, planetas e, em alguns deles, vida.
Mas vá com calma! Ao contrário do que tantos afirmam, o Universo não dá a mínima bola para a vida. Basta olhar para nossos vizinhos, planetas mortos e desolados.
Tire nossa atmosfera, nossa camada de ozônio e campo magnético, e a Terra se transformaria num deserto sem vida. (Ao menos vida complexa. Talvez algumas bactérias pudessem existir ainda.) Portanto, não é tanto ao Universo que devemos agradecer, mas à Terra, nosso planeta vivo, único. Devemos todos, coletivamente, dar graças ao nosso mundo: por nos permitir existir e pela sua tolerância, apesar dos nossos abusos. Poucas mães seriam assim tão pacientes.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
Fonte: Folha online, 28/11/2010
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