sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Tarso Genro - Entrevista

"Governadores do PSDB querem constranger Dilma"

Fernando Gomes/Agência RBS/Folhapress - 6/610/2010
Tarso Genro:
governador eleito acusa movimento liderado por Alckmin
pela renegociação da dívida de apostar
no desequilíbrio macroeconômico do país

Os governadores eleitos e reeleitos da base de apoio do governo federal decidiram reagir à pressão do PSDB pela renegociação das dívidas dos Estados, pelo aumento da compensação das perdas com a Lei Kandir - que desonera as exportações de produtos primários e semielaborados - e contra a reedição da CPMF. Liderado por Tarso Genro (PT), do Rio Grande do Sul, Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, e Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, o movimento pretende evitar que os tucanos ditem a pauta política na transição para desgastar a presidente eleita Dilma Rousseff (PT).
Para Genro, a movimentação liderada pelo governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), "insinua a tentativa de formar um bloco para iniciar um processo de constrangimento do governo Dilma sem qualquer diálogo prévio". Ele considera importantes as questões levantadas pelos tucanos, mas entende que a forma como elas foram colocadas "significa apostar no desequilíbrio macroeconômico do país". Indagado sobre a declaração de Genro, Alckmin, por meio de sua assessoria, disse que não se manifestaria.
Os governadores da base aliada farão um encontro no Rio de Janeiro no dia 13 de dezembro para alinhar o discurso, inclusive sobre temas como as reformas política e tributária. Em seguida eles vão propor uma reunião com os governadores do PSDB e do DEM para avaliar as questões federativas comuns. "Queremos conversar com todos, só não admitimos que a pauta da relação dos Estados com a União seja exclusiva do PSDB e de São Paulo", afirmou Genro.
Como alternativa à renegociação das dívidas estaduais, que incluiria a substituição do IGP-DI como indexador dos contratos, Genro sugere a abertura de espaço para que os governadores busquem financiamentos para investir ou a liberação de recursos da União para projetos nos Estados. No caso da CPMF, ele defende que a volta do tributo seja compensada pela desoneração da folha de pagamento das empresas e pelo abatimento de valor equivalente no Imposto de Renda das pessoas físicas para evitar o aumento da carga fiscal.
A seguir, a entrevista do governador eleito do Rio Grande do Sul ao Valor:

Valor: O senhor. concorda com as demandas do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do PSDB pela renegociação das dívidas dos Estados com a União e pelo aumento das compensações das perdas com a Lei Kandir?
Tarso Genro: O governador Geraldo Alckmin estranhamente aparece liderando uma movimentação para alteração dos critérios de correção da dívida pública dos Estados quando temos pela frente um governo (federal) que ainda não assumiu e ainda não começou a conversar com os governadores a respeito das questões federativas mais importantes. Então essa movimentação insinua a tentativa de formar um bloco para iniciar um processo de constrangimento do governo Dilma sem qualquer diálogo prévio.

Valor: Mas qual é a posição dos governadores da base a respeito desses temas?
Genro: Temos interesse, sim, em discutir o financiamento e o desenvolvimento dos Estados, mas vamos fazê-lo de maneira ordenada, parceira com o governo federal, sem qualquer tentativa preliminar de gerar uma situação de instabilidade macroeconômica. O conteúdo dessas questões é verdadeiro. Particularmente ao Rio Grande do Sul interessa muito a compensação da Lei Kandir, mas não podemos adiantar unilateralmente uma pauta. Não me parece correto que se saque uma fórmula mágica da cartola sem consultar os demais Estados, já tentando constituir uma situação de confronto entre os governadores e o governo federal. O Brasil não pode ser discutido especificamente a partir de uma ótica paulista.

Valor: De uma ótica paulista ou de uma ótica do PSDB?
Genro: Quando falo de São Paulo, falo de um Estado concreto que está sendo governado pelo PSDB há décadas. Nós, da base aliada, queremos conversar com todos os governadores, só não admitimos que a pauta da relação dos Estados com a União seja exclusiva do PSDB e de São Paulo. Isso é ruim, não dá certo e foi uma característica do governo Fernando Henrique Cardoso, mas que não perdurou no governo Lula e certamente não vai perdurar no governo Dilma.

Valor: E como os governadores da base pretendem evitar que a pauta seja dominada pela oposição?
Genro: Eu e os governadores Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e Eduardo Campos (PSB-PE) estamos conversando e vamos falar com os governadores dos nossos partidos e também com os outros da base aliada para ver a situação concreta de cada Estado. As questões específicas deverão ser tratadas diretamente com o governo federal. Já os temas que forem comuns nós pretendemos discutir em uma reunião na primeira quinzena de dezembro no Rio de Janeiro, possivelmente no dia 13 por sugestão do Sérgio Cabral, e depois vamos oferecer esta pauta para os governadores do PSDB.

Valor: Qual é a sua proposta para a dívida dos Estados?
Genro: Há várias formas de 'renegociação da dívida'. Já temos alguns exemplos no governo Lula, como a transferência de parte da dívida por vencer para o fim do contrato para permitir a realização de investimentos, como as operações realizadas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em alguns Estados. O pioneiro foi o Ceará durante o governo do Lúcio Alcântara (2003-2006). Também pode haver o repasse de recursos orçamentários da União para investimentos nos Estados sem causar qualquer desequilíbrio fiscal. O mesmo raciocínio vale para a compensação da Lei Kandir.

Valor: Os governadores pretendem apresentar uma pauta à presidente eleita depois do dia 13?
Genro: Primeiro temos que saber quais as possibilidades que o governo federal tem para abrir rubricas orçamentárias para investimentos nos Estados. Depois temos que fazer uma pauta comum, conversada inclusive com o governo, para propor a todos os governadores. Antes da posse, os governadores da base aliada terão que fazer uma reunião com os da oposição. Mas os que acham que o movimento adequado é iniciar um processo de constrangimento do governo federal não terão nosso apoio porque isso significa apostar no desequilíbrio macroeconômico do país.

Valor: Já no caso da reedição CPMF, a oposição partiu para o ataque depois que a própria presidente eleita levantou o assunto. Como o governo federal pode evitar o desgaste por admitir a volta da contribuição, que é impopular?
Genro: A CPMF é um tributo que se aproxima muito da perfeição porque é limpo, progressivo, não afeta quem sabe 98% da população, é de fácil controle e de fácil cobrança. Por que não se combina a votação da CPMF com a desoneração da folha de pagamento e com o abatimento no Imposto de Renda da pessoa física? Isso não aumenta a carga fiscal porque estabelece a compensação e mesmo assim permite ao governo arrecadar mais pela facilidade de cobrança.

"Há uma ambiguidade no Brasil.
O Nordeste não quer a reforma política
porque boa parte da
elite nordestina é favorecida
pela situação atual e
São Paulo não quer a reforma tributária
 porque é beneficiado
pelo sistema atual."

Valor: Mas a situação está confusa. O governador Eduardo Campos, do PSB, recuou na defesa da CPMF ao dizer que é preciso financiar a saúde sem criar nova taxa, enquanto Antônio Anastasia, do PSDB, em Minas Gerais, apoia a volta da contribuição.
Genro: É natural que esteja confusa. É um tema difícil porque um imposto sempre causa impacto na população. Mas na medida em que mostrarmos que a contribuição vai ser compensada com a redução de outros tributos ela será aceita e se transformará em uma grande política para melhorar a saúde pública no Brasil, que está subfinanciada.

Valor: Os governadores da base vão apoiar a reforma tributária?
Genro: Essa é uma das pautas da nossa reunião do dia 13. Acho que a reforma será inevitável porque a maioria dos governadores entende que o sistema tributário não é bom para os Estados pobres, que não são beneficiados pela cobrança do ICMS na origem. Há uma ambiguidade no Brasil. O Nordeste não quer a reforma política porque boa parte da elite nordestina é favorecida pela situação atual e São Paulo não quer a reforma tributária porque é beneficiado pelo sistema atual. Creio que o melhor seria fazer primeiro a reforma política para então fazer uma reforma tributária mais adequada, mas não sei se isso será possível.
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Reportagem por Sérgio Bueno De Porto Alegre
Fonte: Valor Econômico online, 11/11/2010

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