Torquato*
“Quem manda é a presidente, e, não, blocos partidários”, brada o presidente do PT ante a perspectiva de criação de um conglomerado reunindo 202 deputados do PMDB, PP, PR, PTB e PSC. Se é verdade que o Brasil adota como sistema de governo o presidencialismo de coalizão, cujas dinâmica e eficácia dependem do número de partidos e parlamentares que habitam o planeta governista, a dicotomia sugerida por José Eduardo Dutra não se sustenta. Quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade de o presidente administrar sismos nas frentes congressuais e garantir, assim, a governabilidade.
Siglas e blocos, portanto, detêm boa dose de mando na codução do país, mesmo que se reconheça a índole monárquica do presidencialismo brasileiro, que se revela avassaladora nos espaços do Legislativo. A relação de troca, essa, sim, é a medida do equilíbrio entre os dois poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e essa come do seu pasto para engordar. É assim o jogo. Aqui e alhures. Por isso mesmo, qualquer tentativa de atenuar a hegemonia presidencial por nossas bandas soa como loas à utopia.
O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda francesa ou portuguesa, não parece combinar com os traços de nossa realidade política. Sua arquitetura é mais refinada. Seu escopo, mais plural. Claro, é uma utopia a ser acalentada.
"O culto à figura do presidente
e, por extensão, a outros atores
com forte poder de mando
faz parte da glorificação
em torno do Poder Executivo.
Tronco do patrimonialismo ibérico.
Herdamos da monarquia portuguesa
os ritos da Corte:
admiração, bajulação, respeito e mesuras,
incluindo o beija-mão."
É consenso que o modelo parlamentarista abriga uma coleção de adjetivos que emolduram a moderna política: avançado, racional, mais democrático, conectado à realidade, flexível, sensível à dinâmica social. Ocorre que estamos ainda no ciclo da carroça, da maria-fumaça, da construção das primeiras estacas éticas e morais. A semente presidencialista viceja em todos os espaços, dos mais simples e modestos aos mais elevados. O termo presidente faz ecoar significados de grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem poder de mandar e desmandar. Até no futebol o presidente é o mandachuva.
O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia portuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão.
O sociólogo francês Maurice Duverger defende a tese de que o gosto latino-americano pelo sistema presidencialista tem que ver com o aparato monárquico na região. O vasto e milenar império inca, com seus grandes caciques, e depois, o poderio espanhol, com seus reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, plasmaram a inclinação por regimes de caráter autocrático. O presidencialismo por essas plagas agregaria, assim, uma dose de autocracia.
O presidencialismo está fincado no altar mais alto da nossa cultura política. O que pode ser feito, isso sim, é atenuar sua força.
Mas essa é outra história.
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*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.
Fonte: Correio Popular online, 26/11/2010
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