sábado, 13 de novembro de 2010

Modelos para sobreviver ao fim do ''masculino''

Michela Marzano*

Dos EUA à França, livros e revistas buscam definir
a nova virilidade distante dos estereótipos.
A nostalgia seria a solução mais banal:
voltar-se para trás para reencontrar
o sentido da superioridade masculina.

Declínio do "masculino". Crise da virilidade. Fim do império patriarcal... Livros e jornais discutem apaixonadamente o fenômeno, buscando analisar aquilo que é quase considerado como o mal do século. A Newsweek explica que, para sobreviver em um mundo sempre mais hostil, os homens devem aprender a fazer os trabalhos das mulheres e a trocar as fraldas. A revista relata a crise relacionando-a também ao declínio econômico da indústria e da fábrica: o macho "pesado" era modelado nesses lugares, de formação e de atividade, que hoje não existem mais. Por isso a necessidade de "reimaginar a masculinidade", libertando o homem dos estereótipos do passado. Do macho ao solteiro ou ao pai "dono-de-casa" que se ocupa com doçura dos filhos e passa sempre mais tempo com eles.
Por outro lado, a The Atlantic, célebre revista norte-americana, havia disparado o alarme intitulando-se sobre o "fim do homem". Prisioneiro de modelos contraditórios, o homem contemporâneo estaria se sentindo sempre mais inadequado e incompleto. Nostálgico do passado, quando tudo era simples e claro, não saberia mais muito bem o que fazer. Permanecer viril e brutal ou procurar se tornar doce e compreensivo? Continuar se projetando sobre o "fazer" e sobre o "agir" ou se esforçar para explorar a "parte feminina" do seu próprio ser?
Nestes últimos anos, a solução mais banal que foi proposta a essa crise identitária do homem foi a da nostalgia: voltar-se para trás para entender o que se perdeu progressivamente e incitar o "macho" a reencontrar o sentido de sua própria superioridade... Muito seguras de si, muito agressivas, muito arrogantes, as mulheres teriam acabado por destruir a virilidade masculina e torná-lo vulnerável e inseguro, para depois se lamentar de não encontrar mais um "verdadeiro homem" capaz de satisfazer seus sonhos e fantasias...
Trate-se do psicanalista Michel Schneider ("La confusion des sexes") ou do jornalista Eric Zemmour ("Le premier sexe", traduzido em italiano com o título emblemático "O homem macho"), os paladinos da virilidade brutal não têm nenhuma dúvida. A única possibilidade que resta hoje ao homem para partir à sua reconquista é a de assumir a "violência" do seu próprio desejo: o homem penetra, a mulher se deixa penetrar, explica Schneider; chega dessa vontade das feministas de "castrar" o homem, acrescenta Zemmour…

"O mal estar dos homens não depende
talvez do próprio fato de que eles continuam
buscando corresponder a um modelo bem preciso de virilidade,
 sem ter a possibilidade de entender
quem são e o que querem,
 independentemente das expectativas
 da sociedade (e das mulheres)?"

 
O ensaísta francês Vincent Cespedes, "entusiasta e sem complexos", como foi recentemente definido por ocasião da publicação do livro "L'homme expliqué aux femmes", também não consegue, no fundo, sair das contradições de um pensamento que, mesmo invocando a necessidade de uma virilidade doce e não dominadora, só busca, na realidade, justificar uma nova forma de jouissance sans entraves fundamentada no "falo" como "totem".
Mas o caminho da nostalgia (praticada também por alguns blogs entre os quais The Art of Manliness, onde nos confrontamos com a adaptação das velhas regras aos tempos modernos) só convence em parte. Porque, quando nos sentimos confusos e perdidos, escreve Duccio Demetrio no seu último livro, "L'interiorità maschile", o único modo para sair é ter acesso à vida interior. O fato de que os homens, na grande maioria, são pouco disponíveis para a reflexividade e mais propensos ao exterior, parece incontestável. Mas o filósofo convida o homem a não confiar só nas aparências e a buscar uma forma de virilidade mais profunda e mais generosa.
A única solução para que um "macho" se torne um "homem" é ter acesso à interioridade. O herói não segue a invulnerabilidade: é na ferida, na fenda e nos interstícios que se encontra uma via de acesso à verdade. É por isso que se deve reavaliar algumas virtudes tipicamente femininas, como a paciência e a doçura, e pôr as bases para uma nova identidade masculina. Um modo de "agradecer a Eva", introduzindo "no estado masculino os germens do homem: palavras, sentimentos, modos de ser e de amar não vividos".
O homem novo não pode se contentar com modificar seu próprio modo de agir, como explica a socióloga norte-americana Joan C. Williams em um livro recém publicado nos EUA ("Reshaping the Work-Family Debate: Why Men and Class Matter"). Não se pode limitar a buscar reconstruir de modo criativo seu próprio papel no âmbito familiar e de trabalho. Para não se sentir mais inadequado, o homem deve se tornar "outro": renunciar à arrogância do "macho dominador", aceitar suas próprias fragilidades, aprender a ser "só interiormente" e enriquecer-se com sua própria solidão.
O nó do problema é simples: passar do "fazer" para o "ser", aprendendo com as mulheres a tolerância, a generosidade e a condescendência; inverter a ordem dos valores – que leva um número sempre maior de "mulheres de carreira" a cair na armadilha da imitação do agir viril – para promover a reflexividade e a autoconsciência; inspirar-se na figura mítica de Abel, poeta docíssimo, e renunciar à violência de Caim...
Mas é verdadeiramente necessário buscar definir exatamente a essência da masculinidade para permitir que os homens saiam dessa crise identitária que tanto os atormenta? O mal estar dos homens não depende talvez do próprio fato de que eles continuam buscando corresponder a um modelo bem preciso de virilidade, sem ter a possibilidade de entender quem são e o que querem, independentemente das expectativas da sociedade (e das mulheres)?
No entanto, não se consegue sair das dicotomias ontológicas tradicionais: ser e ter; pensar e agir; doçura e violência. Não se tem a coragem de imaginar a possibilidade da contradição e da ambivalência: ser e fazer ao mesmo tempo; ter acesso à própria interioridade sem por isso renunciar a modificar o próprio modo de agir; assumir-se a parte de violência e de doçura que caracteriza a todos, independentemente do fato de serem homens ou mulheres...
Em poucas palavras, por que querer, a todo custo, propôr um modelo de "homem novo" capaz, certamente, de simplificar o trabalho àqueles que têm necessidade de certezas, mas sempre insatisfatório quando se busca, sempre errando e tropeçando diante dos obstáculos, de encontrar um caminho pessoal para dizer "eu sou"?
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* Filósofa italiana Michela Marzano, doutora em filosofia pela Scuola Normale Superiore di Pisa e atual professora da Universidade de Paris V - René Descartes
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 11-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 13/11/2010
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Um comentário:

  1. Muito bom o texto. O masculinismo, nos olhos de um grande número de pessoas, parece cada vez mais estar criminalizado. Buscar soluções para a questão é um desafio.

    A propósito, visite meu blog quando puder. Tenho falado sobre a restrição à Monteiro Lobato, assunto que está relacionado à crise de valores.

    Tirar Monteiro Lobato da prateleira resolve?
    http://casadojulianosanches.blogspot.com/

    Abraços.

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