domingo, 21 de novembro de 2010

A viagem de Botton


Na primeira página de Uma Semana no Aeroporto, o escritor suíço radicado em Londres Alain de Botton confessa que muitas vezes torceu para seu voo atrasar somente pelo prazer de passar mais tempo no aeroporto. Então, seu desejo foi realizado na potência máxima quando, no verão de 2009, recebeu o convite do aeroporto de Heathrow, em Londres, para passar sete dias confinado lá, saindo apenas para dormir no hotel contíguo ao prédio, e escrever histórias sobre o que viu e ouviu. O autor de títulos como A Arte de Viajar, Ensaios de Amor e Desejo de Status topou o desafio.
O resultado está no novo livro de Botton, lançado no Brasil pela editora Rocco, com histórias e reflexões compiladas neste período: ele literalmente montou uma mesa de trabalho no saguão do aeroporto. Uma rica experiência para um voyeur privilegiado, como destaca Botton, na entrevista a seguir, concedida por e-mail:

– No aeroporto, podemos olhar as pessoas
sem ser censurados ou notados, e isso,
para um escritor ou qualquer interessado
 em seres humanos, é fascinante.
É muito mais interessante que
 a CNN ou
o Herald Tribune!

Donna – No livro, o senhor confessa já ter desejado que seu voo atrasasse para passar mais tempo no aeroporto. O que já lhe atraía nesse universo antes mesmo da experiência do livro?
Alain de Botton – O problema real com aeroportos é que nós tendemos a ir até lá quando necessitamos pegar um avião – e porque é tão difícil encontrar o portão certo, tendemos a não olhar ao redor. E aeroportos definitivamente merecem um segundo olhar. Lá, você deveria encontrar, de forma concreta, todos os temas da modernidade que se encontra abstratamente na mídia. Lá, você vê em ação globalização, destruição do ambiente, consumismo, crise na família etc.

Donna – O senhor comenta em seu livro que em suas anotações predominaram narrativas de perda, desejo e esperança – o cerne das questões humanas. Como o senhor definiria o universo dos aeroportos como cenário de tantas histórias?
Botton – Aeroportos são lugares de intensidade, então são ótimos para contadores de histórias. Por exemplo, eles sempre nos trazem uma grande proximidade com a possibilidade da morte – e essa preocupação, semiconsciente ou inconsciente, tem o hábito de afrouxar nossas inibições e então fazer com que o amor pareça mais possível. Nós nos libertamos dos hábitos rotineiros e, compreendendo nossa mortalidade, estamos mais abertos aos encontros inusuais. Pessoas que estiveram em casamentos sem amor por décadas de repente dizem coisas românticas em aeroportos. A possibilidade de um acidente pode fazer maravilhas por um relacionamento em decadência.

Donna – E o que leva tantos a abominarem aeroportos, como uma perda de tempo?
Botton – Frequentemente, somos como ovelhas. Nos disseram que devemos ficar felizes nos museus de Paris, e ficamos. Nos disseram para ficarmos felizes no dia de nosso aniversário, então fazemos um esforço. Mas isso é desnecessário. Aeroportos são lugares onde alta tecnologia encontra a cultura do consumo, onde nós nos sentimos na presença de uma gigantesca imagem coletiva do mundo moderno. Tão frequentemente estamos em ambientes que não mudaram muito desde o século 19, de repente, no aeroporto, vemos as promessas da modernidade: a promessa da velocidade, da transformação, a burocracia infernal e a apavorante perda da individualidade. É uma mistura de horror e beleza, que, como um artista, você pode celebrar e lamentar.
Donna – O senhor observa a quantidade de pais e filhos se reencontrando no aeroporto, em sintonia com o número crescente de divórcios. Que outras questões da vida contemporânea despontam no universo dos aeroportos?
Botton – O que é comum agora são as férias em família: o sonho de ser finalmente feliz! As férias são frequentemente a única chance no ano de pôr em prática nosso projeto de felicidade. O resto do tempo estamos antecipando e sonhando, mas o início das férias marca o começo da tentativa de tornar esse sonho realidade. Esse é o motivo por que é também um momento de estresse no calendário contemporâneo. Fiquei sensibilidade por muitas famílias que vi se aproximar do balcão do check-in carregando não apenas malas e crianças, mas também o peso de suas expectativas.

Donna – O aeroporto é o cartão de visitas de uma cidade ainda desconhecida ou as boas vindas de uma cidade que julgamos conhecer. Qual é o seu olhar sobre outros aeroportos por onde passou e o que eles têm a lhe dizer?
Botton – Acho que aeroportos dizem muito sobre o lugar a que você se dirige. Os velhos corredores decadentes do JFK, isto é a América moderna – assim como o aeroporto de Beijing é a China moderna. Aeroportos não necessariamente nos dizem o melhor de um país, frequentemente é o pior, mas eles de fato dizem coisas importantes.

Donna – Há algum outro espaço do mundo contemporâneo que pode ser tão rico em personagens e histórias como um aeroporto?
Botton – Eu adoraria escrever um livro em um hospital.

Uma Semana no Aeroporto
Alain de Botton
Rocco
128pg.
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Fonte: DONNA ZH online, 21/11/2010

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