segunda-feira, 15 de novembro de 2010

“Estamos longe de um acordo”

Idéias para o Futuro

Um dos cientistas contemplados com o Nobel da Paz de 2007,
 o físico cingalês diz como empresas e pessoas
devem agir para combater o aquecimento global

Por Elisa Campos

Uma das maiores autoridades em aquecimento global, o cingalês Mohan Munasinghe, de 65 anos, compartilhou, em 2007, como vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o prêmio Nobel da Paz concedido à instituição e ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore. Sorridente, mas firme em suas posições, o físico não esconde seu descontentamento com o rumo das negociações internacionais para chegar a um acordo do clima. Como resposta à inabilidade dos líderes globais, o professor de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Manchester enfatiza a importância de a sociedade civil e das empresas se engajarem na busca por soluções sustentáveis: “A falta de vontade política é uma enorme parte do nosso problema, mas as companhias e a sociedade não podem simplesmente se acomodar e ficar apenas criticando os governos. É preciso se engajar. E isso não significa confrontar os políticos, mas sim trabalhar com eles”, afirma Munasinghe. A seguir, a entrevista concedida a Época NEGÓCIOS, durante a conferência internacional promovida pela European Foundation for Management Development (EFMD) em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC), em Minas Gerais.

1. O que as empresas podem fazer para ajudar a combater o aquecimento global?
_Devem estabelecer metas claras de redução de emissões e ser muito transparentes em anunciar seus resultados. Um segundo aspecto é estabelecer objetivos que sejam tanto econômicos como sociais e ambientais, com princípios sustentáveis. Além disso, também podem realizar pesquisas para melhorar seu desempenho. Depois de quantificar seus impactos, é possível identificar o elo da cadeia produtiva onde há mais emissões e maior consumo de água ou energia. A pesquisa irá ajudar a companhia a encontrar projetos para melhorar seu posicionamento. A empresa pode pensar, a partir de seu próprio produto, o que pode fazer para disseminar informação para influenciar a comunidade, a nação, o mundo. As companhias podem ainda agir de forma pró-ativa, trabalhando com a sociedade civil e o governo para melhorar a legislação e o ambiente de negócios.

2. O senhor acredita que as empresas já começaram a atuar dessa forma?
_Não. As empresas são notórias por fazer lobby pelos seus produtos. É preciso que tenham uma perspectiva mais ampla, mas para ter essa perspectiva é necessário começar pelas metas. Medir para depois olhar para dentro, julgar-se e depois disso poder dizer: isso é o que pode ser feito para o bem da sociedade e isso é o que eu estou fazendo.

3. Estamos mais perto de uma solução para o aquecimento global do que estávamos há dez anos?
_Em termos de compreensão científica, sim. Trabalho para o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e cada relatório que fizemos melhorou o nosso conhecimento [o IPCC já divulgou quatro relatórios sobre as mudanças climáticas: em 1990, 1995, 2001 e 2007]. Porém, em relação às negociações políticas, nós provavelmente retrocedemos. Estamos mais longe de alcançar um acordo global do que há 20 anos. O documento que produzimos na Eco92 [realizada no Rio de Janeiro] foi muito bom, mas desde então todo acordo assinado internacionalmente tem sido um retrocesso cada vez maior.

4. Personalidades importantes envolvidas no debate do aquecimento global, como Nicholas Stern, afirmam que sabemos qual o problema, sabemos como resolvê-lo, mas o grande entrave para chegarmos a uma solução é a falta de vontade política. O senhor também diria que este é o problema central?
_Penso que falta de vontade política é uma enorme parte do nosso problema, mas as empresas e a sociedade civil não podem simplesmente se acomodar e ficar apenas criticando os políticos. É preciso se engajar. E isso não significa confrontar os políticos, mas sim trabalhar com eles. Isso pode fazer uma grande diferença. Nós podemos tomar atitudes individuais, mobilizar a comunidade, e o empresariado pode trabalhar junto, para então levar essa pressão ao governo.

5. E por que o senhor acha que hoje as pessoas e as empresas não estão agindo assim?
_Talvez porque não haja senso de urgência suficiente, mas também porque os problemas são apresentados como algo muito grande. Nós, como indivíduos, sentimo-nos impotentes. Deixamos essa responsabilidade para o presidente Lula, para o presidente Obama e para o primeiro-ministro Cameron. Os governos estão com dificuldade para lidar com múltiplos problemas ao mesmo tempo. Como cidadãos responsáveis devemos ajudá-los, porque muitas das soluções estão em nossas mãos.

6. Alguns cientistas ainda questionam a interferência humana no aquecimento global. Isso é justificável?_Não é possível ter 100% de certeza de nada, mas temos mais de 99% de certeza de que o aquecimento global está ocorrendo e mais de 95% de certeza de que a atividade humana está contribuindo para a mudança climática. Existem outros fatores, como vulcões, o El Niño e a radiação solar, que afetam o clima, mas a atividade humana, ao emitir gases do efeito estufa, já foi claramente comprovada como uma das principais causadoras do aquecimento global. Nós não podemos controlar os outros fenômenos, mas somos capazes de reduzir nossas emissões a um custo relativamente baixo. Ao comprar um seguro para a sua casa, você não espera que ela seja incendiada, mas ainda assim você paga uma pequena parcela para, se ela queimar, ter dinheiro para reconstruí-la. É o mesmo princípio com o clima.

7. A precisão das estimativas do IPCC tem sido questionada nos últimos meses, após alguns escândalos [o painel admitiu erros quanto à previsão de que as geleiras do Himalaia poderiam desaparecer até 2035 e uma série de e-mails “hackeados” da universidade britânica de Anglia Oriental sugeriu uma tentativa de exagerar os níveis do aquecimento global por parte do órgão].
_Eu não vou entrar num debate sobre o IPCC, mas o que eu posso dizer é que cada relatório tem milhares de páginas. Na pior das hipóteses, eles podem pegar uma ou duas frases do documento e criticá-las. A mensagem do relatório, no entanto, está muito clara.

8. Como o senhor diria que o Brasil está respondendo ao desafio da sustentabilidade?
_Não sou um especialista em Brasil. O que posso dizer é que o país tem um grande potencial. Essa é uma das razões para eu vir com frequência para cá. Atualmente, estou trabalhando com a Vale, que está criando um instituto para o estudo do desenvolvimento sustentável na Universidade Federal do Pará. Sei também que na USP estão criando um centro de sustentabilidade para se concentrar em eventos como a Olimpíada, para tornar esses investimentos mais verdes. Ou seja, há consciência no Brasil. Já dei aulas aqui para audiências de 2 mil, 3 mil jovens. É como se fosse um show de rock e é muito esperançoso.

9. O que deu errado na COP 15 em Copenhague no ano passado?
_Copenhague é simplesmente um exemplo da inabilidade dos líderes globais em tomar uma decisão. Parcialmente, pela situação financeira em que se encontrava o mundo, mas isso só enfatiza o fato de que é preciso ter princípios ao negociar. Se todos os países só estiverem preocupados com os próprios interesses – e nós temos 190 países negociando – nunca se chegará a um acordo. [Quanto ao futuro,] as notícias recentes vindas de Bonn [encontro preparatório para a COP 16, em Cancún] não são muito esperançosas. Não fizemos tanto progresso para o México como deveríamos ter feito.

10. É possível chegar a um acordo global para combater o aquecimento sem a participação e anuência dos Estados Unidos?
_Os países mais pobres devem seguir em frente [com suas políticas], mas para a mitigação do problema precisamos de um acordo completo. Não se pode excluir um dos maiores emissores do mundo. Isto está muito claro. Mas reduzir a vulnerabilidade dos mais pobres é a prioridade número 1. E isso pode ser feito.
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Fonte: http://epocanegocios.globo.com  05/11/2010

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