JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA*
As aspirações românticas ainda não perderam todo o seu carisma nem deixaram de ocupar grande parte das fantasias das pessoas de todas as idades. É muito importante levar em conta essa distribuição etária do amor idealizado, mesmo que ele represente apenas uma ilusão.
Como idealização, o amor deve realmente se manter no imaginário de crianças, adolescentes, jovens, maduros e idosos. E cada pessoa pode lidar com esse contexto subjetivo no plano abstrato de seu coração mantendo uma harmonia satisfatória com a objetividade racional.
Precisamos do amor romântico na sustentação teórica das possibilidades práticas das relações. Isso permite um balanceamento ambivalente entre o ideal e o real, ora colaborando com os enamorados, ora os confundindo. Assim, os que programaram um único encontro e os que acreditaram em uma longa jornada comum, podem seguir ou mudar o seu destino — o sexo casual pode virar casamento e o projeto conjugal durar apenas três meses de namoro.
Neste tempo de muitas certezas científicas, incertezas são essenciais para que o charme da história romântica esteja suficientemente nutrido para permanecer influente nas relações.
O romance imaginado, sonhado, no âmbito da fantasia, não tem limites — nem teria cabimento limitar um devaneio, um anseio onírico. Se todos sonham, iludem-se com o amor romântico, é sinal que a alma amorosa segue habilitada para estimular corpos e mentes em geral.
No plano da realidade, tudo é distinto. As fronteiras do mundo real são nítidas e cabíveis, indispensáveis para o nosso equilíbrio existencial. Temos que administrar as expectativas sonhadas e as possibilidades reais para fruir da satisfação sentimental.
Além da inspiração afetiva, o amor demanda o erotismo, há que se atender o desejo. O sexo, no entanto, ainda sofre uma pressão moralista que tradicionalmente o associou ao pecado, durante muito tempo. Desde a queda do Império Romano, no século 5, o mundo cristão convive com essa repressão.
Há quase meio século, surgiu a Revolução Sexual que vem até hoje combatendo o moralismo cristão e os pilares do patriarcado e do falocentrismo. Grande parte dessas bases revolucionárias é apoiada em outro movimento: o feminismo. Apesar de seus exageros, este vem cumprindo seu papel libertador da mulher e do erotismo feminino.
"Além da inspiração afetiva, o amor demanda o erotismo,
há que se atender o desejo.
O sexo, no entanto, ainda sofre
uma pressão moralista que tradicionalmente
o associou ao pecado,
durante muito tempo."
A maior prejudicada pelas arbitrariedades repressoras é a mulher. Sua voz foi suprimida sistematicamente deste o início do patriarcado, cujo início teria ocorrido nos mitos da Mesopotâmia, 17 séculos antes de Cristo. Foi quando o jovem Marduk matou Tiamat, sua avó e mãe de todos os deuses e deusas da Babilônia, usando as partes do corpo dela para organizar o universo.
As religiões ocidentais reforçaram significativamente os critérios de submissão feminina pelos últimos dois milênios, limitando o desejo da mulher ao sexo reprodutivo e exigindo sacramentá-lo em cerimônia dogmática, “abençoando-o” pelo afeto. Alguns países do Oriente e da África foram muito além: permanecem com o ritual da clitoridectomia (mutilação genital), para suprimir o prazer da vida das suas mulheres.
Essa sobrecarga mitológica e moralista sufocou a natureza feminina e estreitou o amor. Se a mulher de modo natural exerce a sua libido com afeto, a exigência cultural da religião desconsidera esse talento. O amor feminino é restringido a uma necessidade de purificação do desejo, como se esse fosse pecaminoso. E faz parecer que, se a religião assim não exigisse, a vocação da mulher não seria suficiente para escolher o sexo com amor.
A mulher que expressa um erotismo sem afeto ainda pode ser considerada prostituta. O contexto mudou um pouco, a mulher pode fazer sexo pelo sexo sem se desvirtuar, mas a carga dessa moral cristã ainda é muito pesada.
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* Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
Fonte: Correio Popular online, 02/10/2010
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