sábado, 6 de novembro de 2010

Etnia, sexo e triunfo político

Joaquim Zailton Bueno Motta*



Quando o havaiano Barack Hussein Obama assumiu o governo dos EUA, no início do ano passado, entrou em um clima de expectativas bem maior do que ocorreu com os outros presidentes norte-americanos. Ele teria que ratificar-se bem-sucedido, assegurando um fascínio e uma atuação irrepreensíveis, pois não podia falhar no mesmo nível dos brancos que o antecederam — tinha que provar que sua origem étnica não atrapalharia seu desempenho.
Empossado como o 44 presidente dos Estados Unidos e aclamado como o primeiro negro a governar o país, logo procurou mostrar que a questão racial seria secundária. Em suas próprias palavras: “não há uma América negra e uma América branca, nem uma América latina e uma América asiática, há os Estados Unidos da América”.
Neste final de ano, fecha dois anos de mandato e tem trabalhado essencialmente como uma autoridade política. Mesmo que haja muitas críticas dos seus opositores e que sua popularidade não esteja em alta, hoje é analisado como a pessoa que está no poder, no exercício das funções deste cargo importante, sem que seja lembrado pela cor da pele.
Para seus simpatizantes, Obama é político único e estimulante como John Kennedy e não há dúvida de que exibe um carisma semelhante ao daquele presidente. Por outro lado, seus adversários o acusam de ser apenas um orador eloquente, de ideias ingênuas e perspectivas econômicas que tendem ao regime socialista. Mas praticamente ninguém lembra ou destaca que se trata de um afrodescendente.
Seria ótimo que as opiniões assim se mantivessem, concordando com as ideias ou delas discordando, apoiando ou não as escolhas políticas, independentemente da característica étnica de Obama. Levar em conta se a raça interfere no seu trabalho e julgar seus atos com esse enfoque é puro preconceito.
Na nossa abrangência, elegemos no domingo passado a primeira mulher como presidente da República. Corremos um risco enorme de avaliar seu trabalho de modo preconceituoso, especialmente com um desvio sexista.
Os ranços machistas insistirão nas piadas e ironias, sugerindo que ela teria uma equipe masculina a orientando, ou mesmo que ela faria um papel apenas aparente de governante mas, na verdade, o líder Lula (ou um homem — na Argentina, faleceu recentemente o marido da presidente que a conduzia, segundo os boatos) estaria no comando.
Os apelos feministas, por seu turno, estarão valorizando quaisquer palavras ou gesto de Dilma Rousseff, enaltecendo a performance de uma mulher no poder.
Seria essencial que tentássemos avaliar nossa presidente do mesmo modo como agora se avalia Obama. Temos que aprovar ou não a Dilma sem levar em conta o gênero sexual.
No entanto, há que se aproveitar de forma exponencial a alma feminina da mulher presidente, ou seja, sabemos que as mulheres são naturalmente mais fortalecidas em termos espirituais e mais capacitadas para amar. Podemos contar com essa índole amorosa, a natureza afetiva tão própria da mulher.
Conduzida por seu espírito amoroso, felizmente com poucas exceções, a mulher é generosa e diligente, tendendo naturalmente ao diálogo democrático e à política socialista-solidária, independentemente de uma catequese ideológica.
Rita Lee já adiantou essa perspectiva dizendo que as mulheres, quando forem ouvidas e valorizadas, fizerem prevalecer a ternura de suas mentes e a doçura de seus corações, irão impor um adeus às armas.
O que podemos expectar, então da nossa nova presidente? Que ela atenda à demanda de suceder o governo de maior aprovação popular na história brasileira é exequível, e que seu espírito feminino pontifique o empenho pela harmonização social e justiça democrática, também.
E que comece desde já fazendo menos festa, evitando o triunfalismo. Descansar mais do que comemorar a própria vitória seria melhor e mais feminino — os homens gostam de competir e desfilar a sua glória pelas ruas.
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*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
Fonte: Correio Popular online, 06/11/2010
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