quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mais uma vez ele vê nuvens muito escuras no horizonte

Economia global:
Em livro premiado,
economista indiano mostra a possibilidade
de um novo desastre financeiro.

Rajan:
 sem políticas adequadas,
países hoje desenvolvidos poderão regredir
 a status inferiores de desenvolvimento

Raghuram Rajan é um profeta do infortúnio de fala mansa. Mesmo assim, o ex-economista-chefe do FMI merece tanto crédito quanto os fatalistas mais estridentes, por seus alertas visionários, em 2005 e 2006, de que os riscos aumentavam para o sistema financeiro.
Agora, "Fault Lines" - eleito o Livro de Negócios do Ano na escolha feita por iniciativa conjunta do "Financial Times" e do banco Goldman Sachs -, merece toda a atenção de políticos, banqueiros centrais e líderes empresariais. A principal e contundente afirmação de Rajan é que, se eles não agirem para reparar as rachaduras que ainda permeiam a economia mundial, condenarão o mundo a outra crise financeira devastadora.
"Geralmente, sou otimista", disse Rajan em entrevista em Nova York, um dia depois de receber o prêmio. "As pessoas têm dificuldades em se entender com alguém que aponta esses problemas. Mas teremos que agir e vamos encontrar soluções quando as pessoas perceberem que não têm outras opções."
Nenhum otimismo dilui a descrição que o livro faz das alternativas que os formuladores de políticas complacentes terão pela frente. Rajan desafia a suposição presunçosa de que os países industrializados estão "alçados permanentemente" ao mundo desenvolvido. Sem políticas adequadas, "podem voltar ao status de país em desenvolvimento, não importa quão desenvolvidas sejam suas instituições", ele escreve.
Sua advertência pode ser vista como um alerta oportuno aos Estados Unidos, especificamente, cujas políticas defeituosas ficaram evidentes durante a campanha para as eleições legislativas recentemente realizadas. Grande parte do livro consiste em um receituário para os governantes do país onde o indiano Rajan, hoje na Booth School of Business da Universidade de Chicago, vive e trabalha. "Os Estados Unidos ainda acreditam que este é um problema cíclico, e não estrutural", ele afirma. "Certamente, numa recessão há um componente cíclico substancial, mas o fato de este ser o segundo ou terceiro problema que temos nos últimos 15 ou 20 anos sugere que algo mais está acontecendo... Os Estados Unidos têm mais tempo [para reparar suas falhas econômicas], mas não têm um tempo que seja infinito."
Preocupa Rajan, particularmente, a possibilidade de que uma política monetária frouxa prolongada acabe por distorcer o funcionamento da economia, embora afirme que não é a favor de um aumento imediato das taxas de juros. Uma das principais questões que Rajan coloca em "Fault Lines" é que sucessivos governos americanos usaram o crédito fácil para inflar os preços dos imóveis e passaram uma falsa impressão de bem-estar para os proprietários de residências cujas rendas, na verdade, haviam se estagnado.
Ao fazer ampla distribuição de culpas pela crise, não concentrando responsabilidades apenas em bancos e banqueiros, Rajan também oferece uma interpretação mais ampla das razões estruturais que levaram à crise. "Todo mundo falou de banqueiros gananciosos, banqueiros criminosos, agências de avaliação de crédito que enlouqueceram e autoridades reguladoras ausentes, mas essas coisas não aconteceram num vácuo."
Rajan não isenta o setor bancário de culpa, como sugeriram alguns de seus críticos. Ele é rigoroso na condenação dos excessos de incentivos oferecidos aos banqueiros e do pouco caso com que responderam às críticas feitas à dimensão de suas bonificações. Rajan continua acreditando que os banqueiros e as autoridades reguladoras "não entendem completamente o tamanho dos riscos que estão assumindo".
Para Rajan, é vital que as reforma da regulamentação do setor bancário - e da economia em geral - permitam a falência de empresas. "Quando preserva entidades, organizações que não estão exercendo suas funções adequadamente, você estabelece privilégios e é aí que as sociedades começam a degringolar."
Rajan não se enquadra na caricatura dos economistas da escola da Chicago, preparados para deixar que o mercado decida sobre a sobrevivência dos mais fortes. Seu livro trata em grande parte da melhoria da justiça no sistema, para que "todos tenham acesso às coisas de que precisam para competir" num mercado livre. "Não temos ideia de quanto a noção de imparcialidade é importante, e isso é particularmente verdade nos Estados Unidos."
No livro, Rajan critica duramente o sistema de saúde "bárbaro" dos Estados Unidos, que força os pais a escolherem quais dos filhos irão se beneficiar da cobertura do seguro. A rede de segurança para os cidadãos precisa ser reforçada: "As empresas deveriam poder falir, os indivíduos não. Se você não tem proteção para os indivíduos, todo o lobby político é direcionado para a proteção das organizações. A General Motors não podia quebrar por causa de todos os seus pobres funcionários. O que eles iriam fazer? Mas se você proporciona uma rede mais forte para os trabalhadores, pode permitir que empresas quebrem".
O livro dá mais ênfase ao papel das instituições multilaterais - um FMI reformado, por exemplo - de convencer os países e seus cidadãos a adotarem decisões econômicas duras, do que ao papel das companhias e do setor privado. Mas Rajan diz ter muito interesse não só em impedir que as empresas façam a coisa errada, mas também em explorar como podem contribuir para o "bem social".
"Até aqui, temos dito às empresas: 'Façam muito bem o que vocês fazem e só'. Em muitas situações, pode ser suficiente empregar pessoas, criar produtos que não sejam venenosos, não quebrar, não criar riscos para o sistema. Mas cada vez mais a população não está satisfeita apenas com isso. O que podemos esperar do setor privado?"
Rajan suspeita de empresas que recorrem ao que ele chama de medidas "evasivas" - doações de caridade, por exemplo - e concorda que a competição impedirá as empresas de irem além do que está em seus interesses de longo prazo ao contribuirem para o bem social. Mas acrescenta: "Não temos opção a não ser nos engajarmos nesse debate de uma maneira analítica e sensata".
São essas as grandes questões que Rajan espera abordar em trabalhos futuros. Por enquanto, ele se dedica a convencer a comunidade global dos formuladores de políticas econômicas a engolirem os remédios amargos que prescreve em "Fault Lines".(Tradução de Mario Zamarian)

"Fault Lines - How Hidden
Raghuram Rajan. Princeton 272 págs.,

US$ 26,95
Bloomberg
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Por Andrew Hill Do Financial Times
Fonte: Valor Econômico online, 09/11/2010

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