sábado, 15 de novembro de 2008

"CATO, SIM, OS LEITORES À UNHA"

Marcelino Freire* explica como faz de sua Balada Literária um evento contra a pasmaceira

Para Marcelino Freire, é preciso sair do casulo, lançar mãos à obra. Atrás de leitor, o escritor pernambucano vai, jura, até a velório, se o chamarem ­ porque, em tempos de "celular que apita, toca, fotografa, faz a barba", o jeito é batalhar a atenção do público, custe o que custar. É com esse espírito que ele organiza a 3ª Balada Literária, que vai de 20 a 23 de novembro, reunindo dezenas de escritores pelo bairro paulistano da Vila Madalena.
Uma festa informal, como aquelas "que a gente faz no apartamento": "com tudo de graça, para quem quiser vir", como lança, entre outras, na entrevista a seguir.

Como você realiza a multiplicação dos peixes, encontrando tempo para escrever, dar oficinas, manter o blog, organizar antologias, viajar, ler bater ponto na mercearia? ­
Cansei só de ler a sua pergunta! Agora mesmo, estou na Feira do Livro de Porto Alegre. Ontem, estive em Jundiaí, interior de São Paulo. Vejo que não tem jeito. Tenho de lembrar que sou um escritor contemporâneo, desconhecido. Cato, sim, o leitor à unha. Até em velório eu vou se me convidarem. E se meu texto levantar o defunto, será a minha glória literária. Há quem critique essa festança toda. Não vejo mal. Vou bem ficar no casulo, enclausurado? Escritor em redoma só serve para peidar. Tô fora.

O que é maior, a vocação de escritor ou a de agitador cultural? ­
Gosto dos dois lados. O meu texto já está escrito, o conto já foi feito e pronto. Escrevi ali, sozinho, à sala. Depois de ele escrito, vou fazer o quê, morrer? Aí é que entra o meu lado agitador: para eu não me sentir um santo, xô! Um dia, um amigo falou: "Você já ganhou um Jabuti. Por que não pára sua bunda quieto?". Nunca. Eu não posso me sentir um Jabuti, um cágado consagrado e lerdo. Há muito o que fazer. Mãos à obra. Eu quero sempre estar exercitando o meu lado amador, sempre começar do zero. É uma coceira que me dá. Gosto de escrever e agitar gostoso.

Você acha que em São Paulo existe maior convívio literário em comparação ao Rio? ­
Não sei. Só sei que em São Paulo a gente bebe muito, fica o tempo todo inventando festa, suruba literária. Talvez seja porque a gente não tenha praia, sol, não tenha a Rede Globo para ficar seqüestrando a atenção, nem Miguel Falabella no nosso juízo. Mas o Rio é também muito agitado nesse sentido. Falar do Rio é falar do Chacal, do Guilherme Zarvos. Da Flip, no litoral fluminense. Gosto mais da Bienal do Rio do que da de São Paulo. Há um charme carioca, bronzeado e sensual, na feitura das coisas...

Você já pensou em abrir uma editora? ­
Já pensei. Mas logo penso em fechar. Eu, de alguma forma, edito umas coisas, por meio do meu selo eraOdito editOra. A antologia Os 100 menores contos brasileiros do século, por exemplo, foi uma parceria com a Ateliê Editorial. E eu tenho uma série chamada LêProsa, onde, também com a Ateliê, publico uns autores. Mas, enfim, é só um selo... Não tenho tempo nem dinheiro para cair de cabeção numa loucura dessas.

Fale de sua experiência com oficinas literárias. ­
Minha oficina literária é uma grande conversa. Eu me divirto. Bato muito na tecla dessa coisa de enxugar o texto, de o cara dizer logo o que quer e ir embora, não encher o saco do leitor, ir atrás da sua voz literária, abrir as orelhas para a rua etc. Uma oficina não faz de ninguém escritor. Ajuda na discussão, ajuda a afinar tudo que é obsessão, soltar os bichos do peito, sei lá.

Fale da Balada Literária. ­
Enquanto as pessoas fazem evento com um milhão, eu faço com humilhação. Peço, ligo, imploro aos amigos. Tudo, repito, para a literatura sair da pasmaceira. Perder o que tem de solene. Evidente que a Balada é inspirada nessa coisa de festa que a Flip instaurou. No entanto, a Balada é mais informal, digamos. Menos "credencial". Já reunimos desde Antonio Candido a Ferréz. Todas as artes, todos os gêneros, tribos. Acontece agora a terceira edição. Vai de 20 a 23 de novembro. Teremos Adélia Prado, Angeli, Cecília Giannetti, Cristo- vão Tezza, Gero Camilo, Laerte, Paulo Lins, Luiz Tatit... E tudo de graça, para quem quiser vir. É feito aquelas festas que a gente faz no apartamento. Um traz o guaraná Dolly, outro traz a cerveja, o croquete. Todo mundo vem participar, numa boa. O evento foi idealizado por mim em 2006 e, com a escritora Maria Alzira Brum Lemos, trato também da curadoria. A gente se diverte... Se não for assim, não tem graça.

Até em velório eu vou se me convidarem. E se meu texto levantar o defunto, será a glória literária. Há quem critique essa festança toda. Eu não vejo mal Meu fôlego é curto, minha urgência é grande.
(...) Tenho uns dois romances rascunhados, largados no buraco-negro do meu computador. Não gosto de dormir com personagem ­ `Eu me esgoelo. Sem pompas na língua.'

Você acha que é inevitável essa exposição do escritor? ­
Rapaz, hoje o cabra anda com um celular que apita, toca, fotografa, faz a barba. O cabra anda com 1500 músicas no bolso. O cabra tem a internet, DVD com extras, mais de 100 canais de televisão. Quando ele vai querer saber de mim? Por isso eu vou lá, ficar nu para chamar a atenção do cabra. E se o cabra for macho então, estou feito. Posso dar meu telefone para contato?

Quem são os grandes autores da sua geração? ­
A melhor pessoa para responder a essa pergunta é o Marcelo Mirisola.

Por que a preferência pelo conto? Um romance não está em seus planos?
Meu fôlego é curto, minha urgência é grande. Não sou camerístico. Tenho uns dois romances rascunhados, largados no buraco-negro do meu computador. Não gosto de dormir com personagem. No romance, a gente termina um primeiro capítulo e vai dormir com o segundo, o terceiro. E não dorme. Os caras ficam buzinando na nossa alma a noite toda. E olhe: mais importante do que escrever é dormir. Com o conto, eu exorcizo a coisa e pronto. Dou vexame e pronto. E caio de bruços e ronco...

Você diria que sua prosa está migrando da oralidade para a teatralidade? ­
Minha prosa é oral, teatral. Eu escrevo em voz alta. Quando escrevo, penso em algum ator dizendo o meu texto. Gosto dessa fala, desse monólogo incômodo, dessa ladainha nos meus contos. E gosto de carregar no drama. Eu me esgoelo. Sem pompas na língua. Você sabe, eu queria ser ator. Hoje, quando vejo grupos encenando os meus contos, fico todo feliz. Um sonho antigo meu, retornando à cena, entende? Inclusive, acho que vou mesmo me voltar mais para o teatro. Olho à frente e não vejo livro nenhum... Quero muito voltar ao teatro, que abandonei ainda no Recife... Estou animado em reassumir de vez esse casamento.

De que autores você se sente próximo? ­
Do Dalton Trevisan, embora distante. Releio sempre a poesia do Manuel Bandeira. Tenho quase todos os livros do português Vergílio Ferreira. Estou próximo também dos blogs. Tem uma moçada aí, arrebentando. A poeta Alice Sant'Anna, aí do Rio, não quero perder a poesia dela de vista. Tem um escritor campineiro chamado Maurício de Almeida. Quero estar perto desse cidadão. Tem o Lirinha, de quem sou amigo e fã. E agora leitor. A novela dele, Mercadorias e futuro, publicada pela Ateliê, é musical, original, portentosa. E ainda tem o escritor carioca Botika, que perdi de vista. Tem notícia dele?

Você prefere personagens excluídos ou incluídos? ­
Bela pergunta! Rapaz, o meu personagem é a palavra. Vou no grito. Onde houver um, é lá que eu colo os ouvidos. Doeu, eu escrevo. Entendeu?
Perfil
Marcelino Freire, Nascido em 1967, em Sertânia, Pernambuco, vive hoje em São Paulo. Ganhou o Jabuti de 2006 com Contos Negreiros, e acaba de lançar, pela Record, RASIF ­ Mar que arrebenta. Organizou a antologia Os cem menores contos brasileiros do século e a série Paralelepípedos.

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