domingo, 16 de novembro de 2008

O GOOGLE E NOSSA ESTUPIDEZ


A internet conseguirá destruir a ciência? Pensadores discutem os riscos de obtermos informações sem qualquer esforço
por Clemente Nobrega*

Uma idéia perturbadora. “O Google está nos tornando estúpidos?” – pergunta uma revista internacional em reportagem de capa. É que grande parte das pessoas que antes lia e pesquisava agora só tecla palavras-chave no Google. O autor, Nicholas Carr, diz que seu cérebro se desprogramou para leituras massudas. Outros “filósofos digitais” entraram no debate: a maneira como aprendemos está mudando. Estamos obtendo resultados sem teoria, sem saber o que estamos fazendo, e isso pode matar a ciência.

Ciência tradicional é coletar observações (dados) sobre eventos, construir uma teoria a partir dos dados e usá-la para prever eventos ainda não observados. Ocorre que, quando se tem muitos (muitos, muitos) dados, você pode pular a etapa “teoria” e prever diretamente o resultado. Como o Google faz. Exemplo: quando você erra na digitação de uma palavra, o Google sugere a grafia correta. Como faz isso sem uma gramática embutida? Ele registra que, quando alguém tecla uma palavra “X” e ele pergunta – “você não estava querendo teclar Y?”–, muita gente diz que sim. O mecanismo é baseado no registro de todos os “X” e “Y”. É assim também que traduz qualquer língua para qualquer outra. Seu banco de dados, alimentado por versões dos mesmos documentos em várias línguas, produz (na força bruta) uma correspondência entre arquiteturas de gramática. Quando traduz, ele varre zilhões de trechos dessas arquiteturas que, agregados, fazem o link “disso” para “aquilo”, de uma língua para outra. Ninguém do Google que trabalhou na construção do tradutor do chinês para o inglês sabia chinês. Só havia dados. Pentabytes de dados, como eles dizem.

Computadores interligados serão capazes de produziruma “supermente”? Como Hal, do filme 2001?
Para que teoria? Comportamento humano, por exemplo. Para que ficar perguntando por que as pessoas fazem o que fazem? O fato é que elas fazem, e o Google prevê o que farão sem teoria. Algoritmos estatísticos acham padrões onde a ciência não consegue. Mas, se essa computação “pentabyteana” pode substituir a teoria, será que bancos de computadores interligados (como neurônios num supercérebro) não poderiam produzir um tipo de “supermente”?
A metáfora do computador Hal, no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço (de 1968), pode tornar-se real? Hal seqüestrara o comando da nave (como os computadores do Google parecem fazer com nossas mentes). O astronauta Dave tenta desligar seus circuitos para recuperar o comando. Hal implora: “Dave, estou com medo. Por favor, não me desligue; minha mente está indo embora”. Se tentarmos nos desligar dos superprocessadores do Google, eles reagirão? Que tipo de mente restará em nós, já que a anterior foi desprogramada? Carr conclui: “O filme profetiza que, à medida que dependemos mais de computadores para mediar nossa compreensão do mundo, nossa inteligência vai se achatando”.
O filme termina com um Dave infantil, dentro de uma bolha, em posição fetal, flutuando no espaço e observando a Terra de longe.

* Clemente Nóbrega é físico, escritor, consultor de empresas e autor do blog Idéias e Inovação no site de Época NEGÓCIOS. Nov/2008, p.56.

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