“Na época em que eu tinha amigos, eles riram-se muitas vezes de minha mania de escolher sempre os caminhos mais tortuosos. Eu me pergunto: por que a realidade há de ser simples? A experiência tem me ensinado que, ao contrário, quase nunca o é, quando há algo que parece extraordinariamente claro, uma ação que pela aparência obedece a uma causa simples quase sempre encerra no fundo motivos complexos. Um exemplo de todos os dias: a gente que dá esmolas; em geral, consideram-na mais generosa e melhor do que a gente que não as dá. Eu me permitirei tratar com o maior desdém esta teoria simplista. Qualquer um sabe que não é possível resolver o problema de um mendigo (um mendigo autêntico) com dez centavos ou um pedaço de pão: só se resolve o problema psicológico do senhor que compra assim, por um quase nada, sua tranqüilidade espiritual e seu título de generoso. Julgue-se até que ponto essa gente é mesquinha quando não se decide a gastar mais de dez centavos por dia para assegurar a sua tranqüilidade espiritual e a idéia reconfortante e vaidosa de sua bondade. Quanta pureza de espírito quanto valor são necessários para suportar a existência da miséria humana sem está hipócrita (e usurária) operação!”
(SÁBATO, Ernesto. O Túnel. SP, Círculo do Livro,s/dt. PP;47-48)
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